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25/08/2009 16:56
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As armadilhas

Faltam poucos dias. Pode ser apenas um, ou podem ser duas ou três semanas. O fato é que vivo a expectativa inédita de ser pai pela primeira vez. Devo confessar que é uma experiência diferente, e nem tão fácil como supõem muitas mulheres. Se a natureza deu a elas o direito de carregar o fruto do homem e da mulher, nem por isso eles têm menos participação, ou não vivenciam os longos nove meses de gestação. Na realidade, a natureza (e nisso incluem-se nós, humanos), em sua harmonia, em suas fantásticas formas de gerar a vida, é algo que deveríamos reverenciar todos os dias. O sol, a chuva, o céu, a água, o vento, as árvores, os animais, meu Deus, quanta maravilha que nos cerca, e nós, aqui, preocupados somente com nosso nariz e nosso bolso.
Além de tentar adivinhar a carinha e as feições do meu primeiro filho, às vezes fico pensando seriamente na grande responsabilidade que é, hoje, apresentar o mundo a uma nova pessoa. “Meu filho, eis o mundo. Toma muito cuidado com ele”. Assim seria fácil, mas infelizmente não é tão simples. A educação de uma criança, no mundo atribulado em que vivemos, não depende unicamente dos pais e de seu esforço em dar o melhor para que o filho se adapte à vida no planeta Terra. Há uma série infindável de fatores interagindo entre si, desde a própria personalidade da criança, o grupo de amigos, a escola, o ambiente no lar e muitos outros.
O Arthur - esse será seu nome - será muito bem-vindo. Como pai, não sei ainda no que a expectativa de agora irá se transformar ao ver e tocar alguns poucos quilos de células, músculos e órgãos que eu ajudei a gerar. Talvez alguma lágrima insista em pular dos olhos, para simbolizar a própria pureza do que ele significa para mim e para todos os familiares que estão a sua espera. Mas qualquer emoção será pequena diante da incrível constatação de que uma extensão de mim e da minha mulher está contida naquele pequeno e frágil menininho. Como nós humanos somos bobos. Nos agredimos, nos exploramos mutuamente, nos matamos até, e não nos damos conta de que estamos aqui para viver simplesmente, e não para dominar. Contemplar, ainda que imaginariamente, os olhos e gestos delicados de uma criança recém-nascida, é uma boa lição de humanidade. Assim, parecemos ver claramente no que nos transformamos.
Mas ainda há tempo. É bom que eu lhe avise desde já, Arthur. O mundo está cheio de armadilhas, a maioria delas armadas pelos próprios homens, teus semelhantes. Porém, assim como há aqueles que as armam, existem aqueles, e creio que são maioria, que desarmam as armadilhas do caminho. Nós estamos aqui para fazer alguma coisa: trabalhar, produzir, criar, ajudar, crescer e sobretudo amar. São esses verbos que queremos conjugar para ti, desde o primeiro dia, Arthur. Seja bem-vindo, meu filho!

• Coluna publicada pelo jornalista Marco Mallmann em 26 de março de 1993