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Venturas e desventuras de pescarias - (Parte II ? Tempos e contratempos)
Continuando a epopéia pesqueira prometida há um tempão, vamos direto que nem goela de João-Grande na parte da pescaria propriamente dita, ou seja: pescar peixe mesmo. A pescaria sempre começa na cata das iscas, que raramente chegam porque sempre o cara que fica de catar minhocas acha que o que já pegou já chega. Minhocas são como lambaris: a gente acha que pegou um montão e não chega nem para a primeira iscada, à noitinha. Para a segunda, no breu da noite, que se vire o iscador cortando as primeiras sovelas. Aliás, sovela, para quem não sabe, é um instrumento cortante e pontudo que os sapateiros usam para furar o couro a fim de costurar. Às trairinhas pequenas foi dado o nome de sovela porque elas, sempre elas, quando dá de jeito cravam os dentes no dedo da gente. Feito este breve parêntese altamente rico em detalhes e sem vírgulas e que deverá mudar a vida de muita gente vamos adiante.
Na hora de revisar os anzóis (vamos fazer de conta que a pescaria é só com bóias-loucas porque rede é proibido e não fica bem para um rapaz como eu passar por pescador infrator), é sempre bom, ou melhor, imprescindível ter uma canoa, um remador, um retirador de bóias-loucas com uma lanterna boa e um iscador, também com uma lanterna boa. Na última pescaria que tive, fui de iscador, e me arrependo amargamente de não ser um bom piloto de canoa, pois acabei com uns trocentos furos de anzol nos dedos. No entanto, foi altamente positivo eu ficar no meio da canoa. Não fosse isso, poderia ter acontecido uma tragédia com os companheiros de pesca por causa de um liquinho. Eu realmente não sei se quem é mais teimoso, se é o Élvis dos Santos ou o Flávio Jacobi. Acontece que lá pelas tantas, no meio do açude, tava o Élvis remando com um liquinho na parte de trás da canoa, eu no meio, e o Jacobi na parte da frente retirando as bóias. De repente, eis que termina a bateria da lanterna do Flávio. Prontamente, o Élvis sugeriu que ele colocasse o liquinho na frente do barco. Como o Flávio estava retirando as bóias, era iminente um cotovelaço no liquinho e sua imediata submersão à floresta de pinheirinhos (aquelas coisas que nascem no fundo dos açudes). Mas o rapaz, gentilmente, agradeceu a proposta por um motivo. Eis a conversa:
– “Eu não quero ficar com os “zóio” incandiado com esta coisa”, disse.
– “Mas não fica, olha por cima, porque eu já fiz assim”, retrucou Élvis.
– “É, e se esta coisa cai dentro da água tu vai ficar enchendo o saco o resto da pescaria”, treplicou Flávio.
– “Mas não cai, porque eu já fiz assim”, lembrou o outro.
– “Mas eu já disse que não quero”, sentenciou o primeiro.
– “Mas como tu é teimoso”, revidou Élvio.
– “Teimoso é quem teima comigo”, refutou Flávio.
Daí peguei o remo que estava sobrando e fiz uma perguntinha só: “Os dois querem voltar nadando pra beira do açude?”, e terminou o papo. Lá pelas tantas, misteriosamente a lanterna do Flávio começou a funcionar, parecia que era alimentada por conversa fiada. Duzentas bóias-loucas depois, dois muçuns brigando com as traíras, meia carga de latinhas de cerveja e três bundas achatadas pelos confortáveis bancos da canoa, findou a primeira revisão. Hora de voltar pro acampamento pra tomar mais umas e colocar o papo em dia. Em meio aos tradicionais mosquitos, que sempre se fazem presentes, goles de cerveja e Bostofon recolhi, dentre tantas, algumas reflexões aproveitáveis e que devem acontecer com todo mundo. Senão vejamos:
Por que muçum engole todo o anzol?
Por que a menor traíra engole o maior anzol?
Por que os borrachudos pegam sempre nas “pestanas” e os mosquitos nas orelhas?
Por que uma mesma bosta de vaca é pisada várias vezes durante a pescaria?
Por que sempre tem um espinho esperando a parte do pé que está fora do chinelo? Por falar em espinhos, vai aqui um conselho do velho pescador Flávio: nunca tire um espinho na pescaria; deixe para tirar em casa e desta forma você não corre o risco de cravar outro no lugar.
Bom, por hoje era isto. Qualquer dia desses volto com a terceira e última parte das venturas e desventuras, onde pretendo abordar o juntamento da tralha, a ressaca pós-pesca e a difícil arte de fazer com que unhas realmente se pareçam com unhas e cabelos deixem de ter aparência de crinas.
PS.: Para quem não sabe, Bostofon é bosta seca de vaca (ou boi) atirada por cima de um braseiro e que dá uma fumaça danada de boa para espantar mosquitos.