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25/08/2009 16:56
Por:

Loucuras de ver

Se tem uma coisa que me agrada nos bancos é o ar-condicionado. Evidentemente que deve existir alguma taxinha escondida entre aquelas siglas indecifráveis que aparecem vez por outra nos extratos para ajudar a custear o conforto, mas não é sobre isso que eu quero falar. Pois numa manhã dessas, em dia de pagamento de aposentados e pensionistas que insistem em tirar o dinheiro nos primeiros cinco dias úteis do mês, talvez por medo de que o governo fique com ele, que fui a um destes bancos para tapar uns furos do cheque sem fundos que tinha largado pra comprar margarina, melado e pão de milho. O ambiente proporcionado pelo ar-condicionado estava agradabilíssimo e eu esperava pacienciosamente na fila minha vez para ser atendido atrás de uma senhora que devia ter aproximadamente 69 anos, três meses e 12 dias; sou um exímio identificador de idades das mulheres.
Quando o caixa do banco disse com a voz tradicional dos caixas de banco a palavra mágica “o próximo”, a velhinha se dirigiu a ele e começou a fuçar na bolsa; caiu um pente, pó de arroz, escova, um tubo de laquê, o cartão do INSS, um estojo de óculos, um tubo de Corega e um duende sem chapéu, bem esquisitão. Em pânico, ouvi ela dizer para o caixa que tinha dado um cheque pré-datado para fazer uma dentadura nova e que agora o dinheiro para cobrir cheque havia desaparecido da bolsa. Simultaneamente os dois se viraram para onde eu estava e ficaram me fitando cada um com uma sobrancelha mais alta do que a outra, tipo aquele emoticon sarcástico do MSN. O caixa chamou o guardinha do banco, cochichou alguma coisa no ouvido dele que, imediatamente, veio em minha direção e me convidou para ir a uma salinha reservada.
– “Óia – disse ele, muito educado – aquela senhora disse que o dinheiro da bolsa dela sumiu e que o senhor, além de estar bem atrás dela na fila, tem cara de suspeito”.
– “Óia – disse eu, muito educado – suspeito é o sapo, que casa e leva a muié pro brejo. Mas se tu quiser, pode me revistar”.
Mostrei minha carteira, revirei ao avesso as algibeiras e perguntei, já não tão educadamente: – “Tá satisfeita agora, véia banguela? Eu posso ter cara de suspeito mas não sou ladrão, e se eu fosse roubar estaria morando em Brasília e teria um cartão corporativo que nem o dos ministros do Lula. E digo mais: a senhora tem cara de quem foi muito malvada quando mais nova, e acho que antes de enterrar o seu marido ficou com os dentes de ouro dele pra gastar no carteado ou no bingo com as companheiras de fofoca. Devia ter aplicado o dinheiro num remédio pra memória porque, no mínimo, deve ter esquecido o dinheiro em casa”, desabafei.
Depois que armei aquele furdunço todo, a véia ficou encabulada e disse que iria para casa para certificar-se de que de fato não havia esquecido o dinheiro por lá. Daí foi que eu me enchi e disse: – “Pois vou junto que eu quero ver como vai terminar essa novela!”.
E fomos eu, a véia e o guardinha no carro do gerente; e foi ali, no banco traseiro, que descobri onde ficam os brindes que eles esquecem de dar para os clientes. Chegando na casa da distinta senhora, bem no meio da mesa da sala de estar estava o dinheiro que motivou toda aquela quizila. Estufei o peito, dei uma risadinha sarcástica e não falei nada; às vezes o silêncio é a melhor resposta.
Mas já que a véia tinha achado que eu era ladrão, resolvi aproveitar minha fama ao ver um destes despertadorezinhos em cima da cristaleira. Foi só um descuido dela e do guardinha que surrupiei o relógio, botei no bolso da calça e, juntos, voltamos ao banco. Já na fila, estava quase na vez da velhinha ser atendida novamente pelo caixa quando.... triiiiiiiiiiiiiiimmmmmm, o maldito despertador começou a tocar. A véia e o caixa voltaram a me olhar de revesgueio e o guardinha já caminhava novamente em minha direção quando acordei de sobressalto.
Eu já deveria ter aprendido a moderar meus hábitos alimentares à noite. Dois xis bacon e um litrão de fanta uva rendem cada sonho que até Deus duvida.