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25/08/2009 16:56
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Apenas uma cr?nica

Assisti pela tevê fragmentos do Planeta Atlântida, o mega-show de verão do litoral gaúcho. Percebi o frenesi causado por bandas com nomes que parecem extratos aleatórios do alfabeto. Ouvi seus acordes em completo desacordo com a mais rudimentar harmonia. Observei o comportamento liberado da gurizada. E tive saudade do meu tempo de jovem.
Tínhamos lá nossos problemas, é verdade. E a saudade que sinto daqueles tempos não será maior do que a saudade que rapazes e moças de hoje sentirão, dentro de algumas décadas, desses desordenados anos em que vivemos. As gerações são assim. Quem viver verá.
Retomo então, para puro deleite pessoal, reflexões de um texto antigo, no qual me referi ao tempo em que nós, os da minha geração, éramos senhores do mundo, ouvíamos The Plattters, bebíamos cuba-libre e as moças se chamavam Maria. Havia Marias de toda parte, assim como havia Maria antes e depois de todos os nomes. Umas eram inexpugnáveis como as Marias do Rosário, cujo nome recendia a vela acesa e eram sempre piedosas, em seus vestidos brancos. Outras, como as Maria do Socorro, acenavam com atenções imprecisas e inquietantes.
Passaram-se os anos e Maria virou nome de senhora. As mocinhas, como pude ver numa última formatura a que compareci, não se chamam mais Maria e o mundo perde com isso: têm nome que não há como saber de cor, estudam análise de sistema, cálculo infinitesimal, engenharia florestal e nunca, nunca, foram normalistas. Jamais vestiram uma camisa de listas, com tope azul e vermelho; não costuram, não bordam, não cozinham. Não lêem Machado de Assis, e não sabem o que perdem.
Era um tempo em que os namorados andavam de mãos entrelaçadas e os casais - apenas eles - de braços dados. E assim iam todos, aos clubes e cinemas, cada qual ostentando sua condição pela forma como conduziam as Marias. Hoje elas andam de todo modo (e de maus modos); e não sabem o que perdem.
Ah, como eram brancas as Marias daquele tempo! Cultivadas à sombra, expendiam as manhãs de sol nas varandas, ciosas de suas peles leitosas. Agora, ainda não terminaram as geadas e as moças já surgem queimadas, quase grelhadas. Se desvestem por gosto e têm jeito de tira-gosto.
Não há McDonald’s no mundo inteiro que faça um sanduíche como o sanduíche de pernil do Matheus (cuja fartura era um subsídio generoso do estabelecimento às pacíficas madrugadas porto-alegrenses), porto seguro dos senhores do mundo, extenuados por suas Marias, após as reuniões dançantes da Faculdade de Arquitetura e os inesquecíveis bailes da Reitoria. A vida - puxa vida! - jamais foi a mesma sem os bailes da Reitoria, de bons hábitos e maus costumes: a virtude dançava na periferia da pista, enquanto a volúpia se comprimia em sincrônicos movimentos no centro do salão.
Não, leitor amigo, isto não é nostalgia. É saudade mesmo: saudade orgulhosa de ter sido senhor do mundo, em tempos que não voltam mais. Quem os perdeu, perdeu.

Percival Puggina, escritor - www.puggina.org