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25/08/2009 16:56
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Plantar o que no lugar do fumo?

Pelo menos 90 representantes de entidades ligadas à agricultura estiveram reunidos ao final de novembro de 2007 no II Seminário do Programa de Diversificação em Áreas Cultivadas com Tabaco, realizado na cidade de Florianópolis, em Santa Catarina. Promovido pela Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SAF/MDA), o seminário incluiu palestras sobre experiências e estratégias de diversificação, produção e rendas na agricultura familiar, doença do tabaco verde na produção do fumo, entre outras. Participaram técnicos de organizações governamentais, da extensão rural, sociedade civil, capacitação, pesquisa, representantes de agricultores familiares fumicultores, movimentos sociais, estaduais e municipais com o objetivo de avaliar, debater e propor ações que fortaleçam as metas de diversificação da produção e renda nas regiões de fumicultura.
CARTA AO GOVERNO - O seminário realizado em novembro ganhou força a partir de uma reunião realizada nos dias 8 e 9 de maio, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Ufrgs –, de que participaram os candelarienses Dilson Dittberner, assessor da regional da Fetag e vice-presidente do STR Candelaria, e Josiane Einloft, primeira-secretária da Fetag/RS. Em Porto Alegre, os representantes e participantes de 24 instituições, entidades e organizações que compõem a rede nacional pela diversificação nas áreas de cultivo de tabaco ratificaram o que já havia sido tratado em Florianópolis e elaboraram uma carta ao governo brasileiro em que propõem a disponibilização de recursos mais substanciais para a implementação e garantia de continuidade nas ações de diversificação nas áreas em que a predominância é do cultivo de fumo. A proposta sugere ainda que o governo leve adiante a intenção assumida pelos Ministérios da Saúde, Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, para que seja adicionado um percentual de imposto sobre os derivados de fumo produzidos no país como forma de compor o financiamento das ações para a implementação da Convenção-Quadro, entre elas a diversificação produtiva.

Ações que partem de baixo para cima
Enquanto permanecem as discussões resultantes da Convenção-Quadro, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado - Fetag/RS adianta o processo e inicia nos municípios algumas ações em relação à diversificação de cultura em substituição às lavouras de fumo. A regional de Santa Cruz do Sul terá até o final do ano 13 seminários em que a questão será debatida intensamente com a comunidade. Candelária irá sediar cinco seminários, Lagoão outros cinco e o município de Passo do Sobrado, três. Nestas reuniões, que serão divulgadas intensamente pela imprensa, o que se pretende é mobilizar todas as camadas da sociedade, que, no caso de implantação de culturas alternativas, irá apontar as melhores saídas para os produtores, principalmente em relação à lei da oferta e da procura. Deverão ser trazidos à tona temas relacionados com a fruticultura, piscicultura, pecuária familiar e produção e comercialização de hortifrutigranjeiros, cadeia produtiva do leite, agroindústria familiar, biocombustivel e turismo rural. Paralelamente a isso, Dilson Dittberner enfatiza que passa por uma legislação municipal eficiente a municipalização dos serviços, licenciamento ambiental, certificação de produtos e controle de qualidade sobre estes, conhecido como Suasa.
VELHOS HÁBITOS E GARANTIAS - A aceitação da Convenção-Quadro e suas propostas pelos produtores de fumo passa diretamente pela vontade da comunidade reaver velhos hábitos, como por exemplo o de consumir produtos orgânicos, notoriamente mais caros que os industrializados, mas que não trazem prejuízos à saúde. Por enquanto, quem planta fumo se vê sem perspectivas, pois somente existem alternativas de culturas substitutivas e não há uma política de garantia de preços, por isso é extremamente importante a participação da comunidade nesta tomada de decisão. “Hoje é a incerteza na questão de preços que assusta os produtores”, ratifica Dílson, que deixa uma pergunta no ar: “De que adianta produzir se não há para quem vender?”.

Mão-de-obra infantil: cultura arraigada
O assunto retratando a mão-de-obra infantil em lavouras de fumo - que recentemente foi tema de reportagem televisiva - se trata de um fato histórico e não se pode confundir trabalho infantil com aprendizagem e com mútua ajuda. O assessor da regional da Fetag referenda que retirar as crianças e jovens do convívio familiar é uma forma de interromper a corrente que acompanha as famílias há gerações. Desta forma, segundo ele, deixa-se de aproveitar o trabalho caseiro especializado para buscar mão-de-obra terceirizada, encarecendo os custos de produção do fumo, sem falar dos problemas previdenciários que isto tem acarretado em alguns casos. Esta é uma questão que há muito tempo está sendo questionada pela comissão de fumo da Fetag/RS, principalmente em relação às negociações do preço do fumo, quando a indústria considera que a mão-de-obra familiar tem um peso menor do que a contratada no custo de produção, quando deveria ter, no mínimo, o mesmo peso.
HERANÇA - A presença de crianças e jovens auxiliando os pais em lavouras de fumo não constitui novidade alguma não só em Candelária como na maioria dos municípios em que o tabaco é a principal fonte de renda nas pequenas propriedades e as empresas fumageiras sabem disso. As famílias não vivem em estado de pobreza ou miséria absoluta e muitas delas não têm outra escolha. “O que não se pode é generalizar, pois as crianças freqüentam a escola e, de certa forma, a participação desde cedo nos afazeres rurais é uma questão cultural arraigada ao longo dos tempos, uma herança adquirida”, salientou Dílson, que também lembra que o fumo não é uma cultura da morte como tem sido pregado por muitos. “Se perguntares para a maioria dos produtores de fumo, eles vão dizer que é do fumo que tiram o sustento da família e, inclusive provém o dinheiro que paga o estudo dos filhos”, considerou. Se as retaliações iminentes da Organização Mundial de Saúde aos países que aderiram à Convenção-Quadro não mudarem o atual panorama, certamente os filhos destes jovens traçarão o mesmo caminho. Se não traçarem, passa pela elaboração eficiente de um programa o futuro de muita gente, sob o risco iminente de uma convulsão social.

Importante
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram que 763 municípios da região Sul (65%) produzem fumo. Destes, 645 têm produção superior a 20 toneladas - 144 deles no Paraná, 223 em Santa Catarina, 278 no Rio Grande do Sul. Atualmente, 197 mil famílias cultivam o fumo no Sul do Brasil, a maioria com pequenas áreas de terra e, em torno de 14 mil famílias realizam o cultivo no nordeste brasileiro. Candelária figura entre os três municípios que mais produzem fumo no Brasil.

Entenda a convenção-quadro
A Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco é um tratado internacional da Organização Mundial da Saúde (OMS), que tem por objetivo proteger as gerações presentes e futuras das devastadoras conseqüências sanitárias, sociais, ambientais e econômicas geradas pelo consumo e pela exposição à fumaça do tabaco, proporcionando uma referência para as medidas de controle do tabaco, a serem implementadas pelas partes nos níveis nacional, regional e internacional, a fim de reduzir de maneira contínua e substancial a prevalência do consumo e a exposição à fumaça do tabaco.
O instrumento que tem como alvo a proteção à saúde pública foi adotado pelos países membros da OMS em 21 de maio de 2003 e assinado pelo Brasil em 16 de junho de 2003. Seu texto foi aprovado pelo Congresso Nacional em 27 de outubro de 2005, ratificado pelo governo brasileiro em 3 de novembro de 2005, promulgado pelo Presidente da República em 2 de janeiro de 2006 e entrou em vigor para o Brasil em 1º de fevereiro de 2006. Atualmente 157 países aderiram ao tratado. O Brasil foi o centésimo país a ratificar o acordo.