Logo Folha de Candelária
Colunista 25/02/2021 08:20
Por: Ângelo Savi

A ditadura

Todo mundo sabe que o STF, pelo ministro Alexandre de Morais, mandou prender o deputado federal Daniel Silveira, mediante uma ordem de prisão em flagrante, porque ele divulgou um vídeo na internet pregando - no dizer do ministro - medidas antidemocráticas contra o STF, instigando a substituição imediata dos ministros e medidas violentas contra eles. O deputado foi preso, o plenário do STF aprovou a ordem e a própria Câmara de Deputados decidiu por grande maioria que o deputado deveria continuar na cadeia.

Há muito que criticar na decisão, que é flagrantemente inconstitucional, porque viola os direitos à livre expressão e da imunidade parlamentar. Vou me fixar apenas em um aspecto, que é a ordem de prisão em flagrante. Há muito debate na imprensa sobre esta questão, em que vários doutores consideram que se trata de um absurdo, porque a prisão ou se dá em flagrante ou por ordem judicial. As duas são incompatíveis, é uma ou outra, porque flagrante ocorre quando o criminoso está cometendo ou acabou de cometer o crime e ordem judicial ocorre quando o crime já se consumou, pertencendo ao passado.

Ocorre que é possível uma ordem de prisão em flagrante, embora desnecessária, quando o crime for permanente. Não vou entrar em questões jurídicas de alta indagação, mas é fácil de entender o que é crime permanente com exemplo. A maioria dos crimes são instantâneos, como no homicídio, em que no momento seguinte à morte da vítima o crime fica no passado, já aconteceu, consumou-se, como se diz em direito. Nos crimes permanentes não, porque eles se prolongam no tempo. Como no sequestro, em que enquanto a vítima estiver sequestrada o crime está sendo praticado e acontecendo no presente. Logo, nos crimes permanentes há flagrante enquanto perdurar a ação criminosa, e nos outros, os não permanentes ou instantâneos, se o criminoso não é preso no ato, não pode mais haver flagrante, porque o momento da prática do crime já passou.

Ainda não vi alguém explicar porque na prisão de Daniel Silveira não é possível a ordem de prisão em flagrante, pois ainda que tivesse havido crime, ele não foi permanente. Para contornar o problema, o ministro julgou que a conduta criminosa se perpetuou no tempo porque o vídeo continua disponível na internet e é acessível a todos os usuários da rede mundial.

E este entendimento é um dos muitos evidentes erros da decisão. Se existiu crime, é falsa a afirmação de que ele continua sendo praticado porque o vídeo continua à disposição. É que a divulgação ocorreu no instante em que o deputado apertou o botão do computador que publicou o vídeo. No momento seguinte, a ação de divulgar ficou no passado, não havendo mais possibilidade lógica de haver o flagrante. O ato de divulgar não é permanente, mas acontece uma só vez, num curto período de tempo que já se encerrou. O fato de o vídeo estar na internet é consequência do ato de divulgar e, no máximo, pode constituir uma prova, mas não é o ato em si. Mal comparando, é como se um vídeo de um assassinato fizesse com que este crime se tornasse permanente.

piora porque é evidente que o ministro sabe disto tudo. O que ele fez, foi deliberadamente contornar a Constituição e a lei penal para praticar um arbítrio. E se ele é capaz de arbitrariamente prender um deputado com a concordância expressa da Câmara dos Deputados e do próprio STF, é evidente que prenderá quem ele quiser sob o pretexto que bem entender, o que nos leva à triste e inevitável conclusão de estamos vivendo sob uma ditadura.