Por: Luciano Mallmann
Vendedores de sonhos: biografia breve de um jornal acolhido pela comunidade
Havia chovido muito naquele dia 18 de março de 1986. A despeito disso, a comunidade candelariense não se deixou intimidar. O fato é que, dias antes, despertando a curiosidade da população, um panfleto havia circulado na cidade, trazendo impressa a seguinte frase: “Candelária vai virar notícia”. Não são poucos os que lembram ainda hoje: tanto os que duvidaram como os que acreditaram foram conferir de perto o que aquela família vinda de outro município tinha a dizer. O país, respirando ares mais límpidos ao final de uma ditadura, talvez tivesse na liberdade de imprensa – um direito conquistado somente através de muita luta - a principal novidade. Consciente do valor da livre expressão e da responsabilidade que isso significava perante o público leitor, além do idealismo característico de um jovem bacharel em Jornalismo, Marco Antônio Mallmann, naquela missão, liderava seu pai, Roque Mallmann, a mãe, Rosa Nilse, e os irmãos Jorge e Luciano. O lançamento ocorreu na sede da Câmara de Vereadores, lotada para a ocasião.
Sobre aquela noite, pode-se hoje dizer com certeza, transcorridos já 34 anos, que a principal presença não foi a de Antônio Britto, jornalista convidado a palestrar; tampouco foi da família vinda de outra cidade, trazendo nas mãos e na alma seus sonhos. As principais personalidades presentes naquela ocasião de lançamento foram os representantes da própria comunidade candelariense, querendo dizer, através de sua presença massiva, que aquela família estava certa: cansada da obscuridade vivida até então e não querendo mais deixar a história passar em branco, sem registro, a população de Candelária queria sim virar notícia. Impreterivelmente. Já a partir daquela noite. E assim foi.
Na manhã que se sucedeu ao lançamento, a atual diretora, Rosa Nilse Mallmann, e o primeiro entregador, Lázio Heinze, percorreram a avenida Pereira Rego vendendo assinaturas do recém-fundado periódico. E a população candelariense deu uma primeira mostra, àquela família vinda de fora, do quanto sabe ser generosa e hospitaleira, acolhendo amorosamente no coração a causa do jornal. Não seria equívoco dizer que Rosa Nilse e Lázio percorreram as ruas naqueles dias vendendo sonhos. Só que aqueles sonhos, diferentes de outros, eram entregues na forma de realidade em palavras impressas.
Aqueles sonhos vendidos nas ruas ganhavam a forma de realidade porque, antes de ter um jornal, não havia exatamente notícias, mas sim algo não muito distante de boatos, versões não raro contraditórias e pouco confiáveis de acontecimentos que adquiriam sem querer um elemento diferente para cada pessoa que o relatava. Com o surgimento do jornal, a versão oficial do que ocorria só ganhava corpo quando, após ouvir todos os envolvidos em determinados acontecimentos, os fatos eram escritos, tornando-se assim notícias. E também fatos sociais, através da colunista Odete Jochims, que pouco depois também se tornou membro da equipe, da qual faz parte até hoje.
Meios de comunicação que resgatam e contam a história de uma comunidade também acabam desenvolvendo e possuindo, com o passar das décadas, algo não muito longe do status talvez meio pomposo de história. Afinal, em 34 anos, aconteceu muita coisa que marcou para sempre a história do periódico. Como exemplo, pode-se citar a data de 14 de dezembro de 1994, dia até hoje inexplicado em que o jornal, em acontecimentos que se precipitaram em questão de poucos minutos, perdeu o seu criador, Marco Antônio Mallmann. Conclui-se que, se existem perdas, as histórias são feitas em grande medida de como tais revezes são superados. Entre as lições aprendidas, foi possível concluir que um dos segredos está na união dos que ficam.
A tecnologia evoluiu na velocidade da luz. Meios de comunicação como fax e telex surgiram e desapareceram rápido, da mesma maneira como vieram. Hoje, computadores, tablets, notebooks e smartphones são apenas alguns dos exemplos, entre tantos outros, de tudo que se tem usado. Vieram as redes sociais e, com elas, as muito comentadas fake news. Mais do que nunca, a notícia oficial, devidamente comprovada, se torna artigo de primeira necessidade. Pois entre mentiras e verdades a distância sempre será de um abismo. E assim, bem ou mal, a Folha de Candelária continua cumprindo seu papel de levar a informação precisa aos seus leitores, divididos agora entre os leitores da versão digital e os que ainda recebem a edição impressa. Em função da coexistência nem sempre equilibrada do mundo virtual e da realidade concreta, o tempo se tornou, mais do que nunca, algo fugidio, que possui aquela facilidade a cada dia maior de escapar por entre os dedos. Fugidio, é verdade, e também ininterrupto. Porém, a vida continua sendo o bem mais precioso.
Como se costuma dizer, uma história é feita do entrelaçamento de muitas vidas e de preferência com as mãos dadas, além de muitos tempos e realidades distintas que igualmente coexistem. E é por essa razão que, ao completar seus 34 anos de trajetória, a equipe da Folha de Candelária agradece a você, leitor, por ter aceitado, no transcorrer desse período, fazer parte dessa longa trajetória. Uma história que insiste em continuar coexistindo com as mais contrastantes formas de realidade. Assim foi; assim é, porque assim sempre será.