Logo Folha de Candelária
25/08/2009 16:56
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Um breve adeus

O inverno está se encaminhando para o final e nesta época fico bastante melancólico, principalmente porque tenho que me despedir de algo com que convivi desde o início do outono. Não é do meu feitio trazer pra cá coisas particulares, diletos leitores, mas quando certas coisas marcam de fato a vida da gente, fica impossível não marejar os olhos quando se aproxima a hora do adeus, por isso o desabafo.
Assim como a beleza das flores vai deixando lugar aos frutos, é chegada a hora de cortar a unha do dedo mindinho da mão direita. Já não existem mais bergamotas lá em casa e ela se tornou obsoleta, principamente depois que parei de comer ovo em conserva, pois sempre a utilizava para “pescar” os ovos no vidrão. Nas lides domésticas do passado, minha unha de estimação sempre teve grande utilidade, principalmente para tirar o lacre das latinhas de Pomarola, mas agora existem outros molhos em sachê. No âmbito social, nada melhor do que uma unha crescidinha para raspar loterias instantâneas, tanto que o pessoal lá da agência lotérica chegou a manter um contato para que eu auxiliasse o pessoal a raspar as loterias, mas o acordo não evoluiu porque eu não tinha curso superior completo. Por estas e por outras é que a saudade veio antes da despedida. E foram tantos os momentos marcantes que vou lembrar para sempre da ajuda que tive para aquelas tradicionais coçadinhas na cabeça, quando ela me auxiliou a melhorar minha audição depois das várias retiradas de cera, nas tantas empreitadas que tivemos na remoção da secreção nasal ressequida, também muito conhecida por “tatu”. Claro que minha unha saliente foi motivo de brigas domésticas, mas nada sem maiores problemas. Onicofagista “doente”, recebia severas críticas de minha esposa por roer todas as unhas, mas a do mindinho não.
Em síntese, minha unha do mindinho é quase um canivete suíço original: corta, palita os dentes, serve como chave de fenda e o escambau. E cá entre nós acho mesmo que esta história de manter as unhas sempre bem aparadas é coisa da Johnson & Johnson só para vender mais cotonete. Mas como uma Fênix, tenho certeza de que ela renascerá firme e forte, e para o próximo outono estaremos preparados para mais uma grande parceria na arte de roubar descascar e comer bergamotas. Desculpem, mas eu precisava repartir isso com alguém e fico aqui consolado na certeza de que tudo é efêmero, tudo passa, e até a uva passa. Agora, convenhamos, é preciso muito mais coragem para contar uma história idiota destas do que cortar uma unha.