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Colunista 07/11/2017 10:29
Por: Wagner Azevedo

Quando a realidade é construída pelo virtual

Se a verdade está apenas nas palavras, a sociedade está fadada ao virtual. Se a voz e o discurso exposto estão se sobrepondo a fatos concretos, entregamos a quem pode falar a construção da realidade. Ademais de quem pode falar, existem aqueles que não querem. Por esses, a história passa reto. Por que então há o silêncio nesse território que se disputam verdades virtuais?

Em um tempo em que a pós-verdade define eleições, não surpreende que pequenas violências sejam escondidas ou maquiadas. Na era da informação pouco se discute quem a promove ou a quem interessa. No campo macro da sociedade, o controle de alguns meios e o descontrole por outros formam uma batalha sem um fim comum. Nas relações pequenas, mas expansivas pelo poder da internet, pequenos discursos tornam vidas reais insustentáveis. A veracidade de fatos não importa quanto a subjetividade implicada nas palavras ditas realidade. O discurso posto em ação e vigor por alguns cliques determina o concreto, sem a noção do impacto na subjetividade dos objetos em questão. Os interlocutores das conversas então globalizadas assumem papel de juízes. Condenatório aquele juiz que sentencia a vida de alguém por falas mal distribuídas; entretanto exaltação aos juízes de casos alheios que aplaudem e enaltecem heróis virtuais. A ordem do discurso de Foucault, seja criticável ontologicamente, é a batalha determinante deste mundo em que todos falam. Entre possibilidade de muitas vozes, há seletividade pelos valores e crenças pessoais ou de grupos, com poder sobre o correto e o errado.

O mundo vive a primeira crise política na era da informação. Um míssil pode ser atirado pela Coreia do Norte por um tweet de pouco caracteres. Não importa onde caiu o míssil, importa o conteúdo do tweet. Não importa a dor e o sofrimento de quem lê acusações e protestos velados. Importa a exaltação da virtualidade. O imaterial e o subjetivo formam a realidade concreta, determinam vidas que vivem, vidas que sofrem, quem vence e quem perde.

Nesse contexto, todo o Brasil entra na campanha política de exaltação de mitos e figuras legendárias. A verdade sobre o Bolsonaro importa menos que a pós-verdade sobre outros candidatos. Juízes de toga podem prender candidatos; juízes da internet legitimam sentenças tweetadas sobre a morte de tal candidato, de tal ministro, a propriedade de empresas, sobre contas de bancos e pedalinhos.

O discurso que destrói pequenas vidas destrói também a estabilidade política, ou projetos de nação. O silêncio, com tantas ferramentas à disposição nessas condições, é como suicídio. Não falar, não se expressar, a anulação do virtual é o encobrimento do próprio ser. Não estar em determinadas redes sociais é como não existir.

Não participar dos debates que inclusive falam sobre si é permitir a voz alheia determinar os rumos. Na pós-verdade, o real torna-se a expansão do virtual. A crença em seres que não se manifestam ou não agem virtualmente é constituição imaginária destes. Na exposição pública, práticas medievais e fascistas são legitimadas sobre quem se cala.

O que fazer dentro dessa disputa? Escrever mais e postar? Escrever bonito e compartilhar com todo mundo? Paulo Freire, sempre adiantado, propôs aproximar o que se fala daquilo que se faz. O testemunho vivo e encarnado, o discurso como fruto da verdade, e não semente desta, é o caminho da seriedade e justiça. Holofotes sejam postos no ato concreto de coerência. A esquerda brasileira, se desarticulada, tende a jogar o jogo da liquidez. Cá entre o pessoal e o macro, diria Charlie Brown Jr., que “quem é de verdade sabe quem é de mentira”. Quem pisa no campo concreto, quem olha no olho, quem suja o pé de lama, não se entrega pelo irracional.

Nessa disputa pela verdade sejamos mais reais e menos virtuais. Elevando a práxis à própria expressão do real. O discurso importa, mas se limita para quem não sabe olhar.