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25/08/2009 16:56
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Deus ajuda quem madruga?

Adolfo acordou às 5h30. Escovou os dentes, fez suas necessidades fisiológicas (mijou, pra ficar mais claro), tomou banho, perfumou-se, vestiu-se com esmero e penteou os cabelos, sem esquecer do tradicional pega-moça fixado com Glostora e de outro tanto de Trim para dar um brilho especial aos cabelos. Às 6h, pontualmente, deixou sua residência em um bairro de gente modesta, mas trabalhadora, da periferia da capital com direção ao centro, onde trabalhava como auxiliar de escritório. A onda de assaltos na cidade preocupava, e no frio do inverno, quando os dias custam a aparecer, seis horas ainda é escuro, madrugada, o que favorece a ação de ladõres e delinquentes. Ia cedo e a pé ao trabalho para economizar com as passagens de ônibus, porém, o precavido Adolfo sempre colocava a carteira com os documentos no bolso direito traseiro e naquele dia colocou o dinheiro, exatos R$ 50,00, no bolso da frente do paletó.
No caminho, uma anciã, cujos trajes denunciavam sua pobreza e que caminhava com dificuldades, deixou cair a sacola de plástico com seus pertences. O solícito Adolfo não titubeou em ir em sua direção para ajudá-la, recebendo um afago como agradecimento: – “Querido, Deus te ajude!”. Era isso mesmo, Adolfo era crente ao ponto de levar ao pé da letra o adágio popular que reza que Deus ajuda quem cedo madruga. E dali se foi, feliz em direção ao trabalho e com a boa ação do dia já realizada.
Quatro horas depois que a fotocélula fez sinal para se apagar a última fluorescente que fazia luz na rua em que morava James, o vagabundo despertou do sono, como se fizesse jus a ele. Não trabalhava, não ajudava em casa, vivia de um golpe ou outro, vendendo CD e DVD piratas na praça do centro na hora em que bem quisesse. O que juntava, dava para os tragos no final de cada dia, e quando não dava, tinha lábia para convencer o budegueiro para vender pra pagar depois. Ateu convicto, não acreditava em Deus, até aquele dia. Sua mulher, que enfrentava uma daquelas crises pré volta-da-lua, berrou do canto da sala: – “A senhoria nos deu 12 horas para pagar o aluguel da peça; senão, rua”. James se viu num mato sem cachorro. Juntou a pilha de CDs e foi para a praça ver se arranjava alguma grana. Quando passava pela mesma rua que Afonso passara bem antes para trabalhar, olhou para cima e disse, como todos dizem, até os ateus: – "Meu Deus, e agora, o que eu faço?".
Nisso, o vento gelado esfregou-lhe na cara uma nota de R$ 50,00. Aquela nota que repousava no bolso de Adolfo, o crente, quatro horas antes, e que o coitado perdeu ao abaixar-se para ajudar a velhinha.
James nunca mais duvidou da existência de Deus; nem Adolfo deixou de acreditar. Mas Adolfo nunca mais acordou tão cedo. Nem sempre Deus ajuda quem madruga, aprendeu ele. Desde aquele dia, James passou a pensar diferente sobre as oportunidades da vida: acreditava piamente que as melhores minhocas são para os pássaros que acordam primeiro.