Logo Folha de Candelária
25/08/2009 16:56
Por:

Casamentos e suas sutis diferenas

Maio, mês das noivas e dos presentes, de noivos embevecidos que com os olhos marejados assistem à mais bela modelo do mundo, sua amada, desfilar pela nave da mais imponente catedral ou da mais simples capela para o tão esperado momento do sim. A pompa, a circunstância deste momento sagrado, com a igreja enfeitada de rosas, com damas de honra em vestidos exuberantes que são um atentado à libido dos mancebos que se imaginam no lugar do noivo. Escorrem tonalidades de rímel, pó de arroz, fazendo de estrada as rugas do rosto das vós e das tias. Pétalas de rosas jogadas ao chão e os cantos dos espaldares dos bancos da igreja ornamentados para o momento único (ou talvez não) do casal. Testemunhas nervosas e pais um tanto preocupados com as despesas futuras – e outro tanto felizes com a futura chegada dos netinhos, que vez por outra até vão junto para a cerimônia. A bênção nupcial, a troca das alianças, o beijo apaixonado e a saída da igreja sob a chuva de arroz. Ricos e pobres, pobres com ricos, todos iguais perante a lei de Deus e dos homens, e é hora de por fim neste momento melodramático, pois o assunto é festas de casamento, estas sim, com sutis diferenças entre as classes sociais mais e menos abastadas.
Tudo começa na entrada no salão. No casamento de gente fina a coisa é rápida; listas de noivos são distribuídas nas lojas, que embalam os presentes e levam geralmente para o endereço da noiva. Os convidados vão entrando, sentando às mesas já previamente reservadas; os noivos, que são os últimos, são aplaudidos e, depois, passam pelas mesas para receberem os cumprimentos. No casamento de gente modesta, é aquele montão de  gente esperando na porta do salão, mais parecendo fila do INPS, uns com enormes caixas de presentes, e, em certos casos, por opção dos noivos, com envelopes com grandes somas em dinheiro, entre R$ 5,00 e R$ 20,00. Geralmente não existe lista de noivos, o que proporciona a tradicional aposta entre os familiares para saber quantas panelas de pressão os nubentes vão ganhar; os noivos entram, vão lá no fundão do salão e ficam alinhados com os pais para receberem o cumprimento daquela tripa enorme de gente. A noiva é beijada por todos, homens, mulheres e crianças. O noivo também é beijado pelas mulheres, mas recebem tudo que é tipo de carinho dos homens, como puxão na gravata, tapão nas costas, tapinha no saco, piadinha rápida sobre quantas vai dar depois, estas coisas.
Fotos e filmagem. No casamento fino, são tiradas umas 100 fotos. O fotógrafo já sabe quando e em que seqüências ocorrerão os momentos mais importantes da cerimônia da festa e sabe também tudo sobre as poses tradicionais, como fotos da noiva, do noivo, das  damas de companhia, pais, padrinhos, da festa, com parentes dos dois, etc. O cinegrafista e o iluminador também são discretos. No casamento modesto, o fotógrafo tira mais ou menos 1.200 fotos. Tirar foto com os noivos é obrigatório, mas sempre que alguém precisa do fotógrafo, ele está na copa tomando uma gelada ou na cozinha experimentando a maionese ou carne moída do canudinho que vai ser servido na madrugada. O que menos resta é foto dos noivos e da família, porque as irmãs da noiva e do noivo e as primas aproveitam as roupas alugadas e o maravilhoso penteado para tirar as fotos para colocar no Orkut e no MSN pra tentar arrumar homem. Tropeços são comuns nos fios da filmadora e da torre de luz, que esquenta pra caramba o ambiente. Não existe horário definido para tirar fotos, é flash a noite toda.
Chega a hora do jantar e em ambos os casos os noivos são servidos primeiro. No casamento dos abastados, a mesa é posta com talheres de prata com porcelana fina, flores especiais e copos de cristal. O serviço à francesa ou à inglesa é requintado, o garçom serve. Somente o prato principal é passado entre os convidados, o resto dos pratos são servidos individualmente. Os garçons também servem as bebidas até o final da festa. Nos casamentos de não tão abastados, pratos Duralex ou outra marca que termina com lex, violetas ou qualquer tipo de flor que a vizinhança tem, com talheres com cabo de plástico ou de madeira, geralmente com a serrinha lisa, pois as tias que trabalham na cozinha afiam no rebolo porque é mais fácil de descascar batatinha; os copos de cerveja são de tamanho variado e tem também copos de plástico, para a gurizada tomar refri de litrão, e canudinho, para festas que tem refris 300ml. Trocentos convidados são chamados por mesas, que recebem números; da primeira à última o intervalo pode ser de duas horas. O serviço é de buffet, que geralmente atrasa porque a tia da cozinha não se comunicou com o chefe dos churrasqueiros, que a esta altura já está mais pra lá de bagdá de tanta cerveja e com um dedo amarrado com um pano, porque se cortou “beliscando” um tatu mal passado. A falta de comunicação resulta em um arroz meio empaçocado e a carne meio passada. Meninos amigos da família são os garçons, que servem em bandejas nacos de carne de gado, galeto e salsichão de galinha meio tostado porque ainda estava congelado quando botaram para assar, e num cantinho reservado armazenam garrafas e garrafas de cerveja, que geralmente tomam do bico. O que sobra vai para o bufffet e os nacos menores são comidos durante a longa viagem de volta para a churrasqueira. Outra turma de guris pega aquele carrinho descartado de um supermercado porque tinha uma ou duas rodas tortas e passa por entre as mesas levando cerveja e refri. Geralmente os guris da carne e os da bebida se atropelam por entre as mesas e algum pedaço de carne voa na cabeça de alguém.
Hora da dança. No casamento fino, a valsa dos noivos é precedida pelo corte do bolo da noiva. Geralmente é contratato um duo para, com violino e teclado, executar a valsa. Depois, a música estará mais voltada para aqueles que queiram dançar; todos sabem que o evento não se trata de um “show”, e sim, de uma recepção de casamento. No casamento humilde a valsa é tocada com MP3 do conjunto. Depois, é hora de extravasar. Sempre tem alguém que se acha mais do que todos, que gosta de acocar no canto do salão pra mostrar sua habilidade e acha que sua companheira é a mulher-borracha. O braço dele fica em um ângulo de 90 graus e geralmente alguém leva uma bofetada por causa disso. A companheira também é estilosa e faz um efeito na mão direita para parecer mais sexy. E chega a hora da polonaise, todo mundo a meio pau, um entrevero só e que quase nunca dá certo e gente correndo para a copa enquanto a evolução acontece e quanto fazem o túnel sempre aparecem aqueles que fincam o dedo nas costelas e em outros lugares impróprios para dizer aqui. O baile segue com músicas do momento e, graças ao vácuo no cérebro do chefe do conjunto a pista esvazia quando sai um funk do repertório; mas basta tocar uma gaudéria que já enche de novo.
O fim da festa. No casamento da burguesia, a festa não termina muito tarde. Os noivos partem em lua de mel, os pais se encarregam das despedidas e os convidados têm noção da hora de ir embora. No casamento de plebeus os noivos ficam até o final, porque as mães estão com calos nos pés de tanto dançar e os pais não se aguentam em pé de tanto beber. As crianças dormem em colchões colocados estrategicamente em um canto da cozinha. Uns vinte amigos do noivo resolvem tomar a saideira e as mulheres deles, com sapatos nas mãos por causa dos calos ficam enchendo o saco e convidando para ir embora. Quando é dia claro, finalmente, termina a festa. Mas não totalmente, porque tem o rescaldo ao meio-dia. Um panelão com carne requentada e mais umas cinco caixas de cerveja são consumidos no almoço e à tarde tem canudinho e o bolo da noiva para o café. As mulheres terminam de lavar a louça e os homens, de secar as garrafas. A lua de mel fica para o próximo verão, em Tramandaí, ou na baixa temporada da serra, numa pousada em Gramado ou Canela. Aí, finalmente, está encerrada a festança. O assunto renderia mais umas quantas colunas do tamanho desta, mas infelizmente já excedi o espaço.