Por: Luciano Mallmann
A perfeição peculiar a cada Natal
(Natal 2018)
A aproximação do Natal e do Ano Novo traz, para a redação de um jornal, a repetição de um desafio enfrentado também em outros períodos do ano, nas datas comemorativas, e que se traduz em forma de uma interrogação sobre o que escrever, em artigos e reportagens, por ocasião do Natal e do Ano Novo, que ainda não tenha sido dito ao longo desses quase 33 anos de circulação. As repetições são inevitáveis e até certo ponto necessárias, pois os leitores sempre se renovam, bem como as gerações. De um modo mais geral, uma dúvida surge em circunstâncias mais específicas e requer uma atenção um pouco mais delicada. Tais questões exigem uma espécie de prefácio, que pode ser delineado brevemente nas frases seguintes. Trata-se de uma questão envolvendo o esforço em torno de cuidar para que cada Natal, pelo fato de ser uma época tão especial e esperada, transcorra da melhor maneira possível, cuidando para que equívocos cometidos em anos anteriores não se repitam no ano em curso. E assim, pouco a pouco, de detalhe em detalhe, ano após ano, consegue-se chegar, em determinado momento, ao Natal perfeito, inigualável - em todos os sentidos. Com todas as letras, viveu-se um momento único, que jamais será repetido.
A questão que fica depois disso é sobre o que será dos outros fins de ano quando tudo que se podia querer já foi atingido e a tendência, a partir de então, é o declínio. Com essas perguntas em mente, procede-se ao desmonte do pinheirinho e a catalogação, entre as recordações mais queridas, de cada momento do Natal dito perfeito. Com alguma tristeza, retiram-se os enfeites da árvore e as luzes, deixando-os para o ano seguinte, com a certeza de que não brilharão tão intensamente como ainda há pouco. Da mesma maneira, toma-se nas mãos, uma a uma, cada figura do presépio, envolvendo-as em papel jornal, também destinadas a permanecerem guardadas até o momento em que o nascimento de Cristo no mundo dos homens seja comemorado mais uma vez.
Desse modo, a casa vai perdendo os ares de festividade e o encantamento típico dessa época vai cedendo lugar à realidade de cada dia. Descobre-se mais uma vez nesse momento, desde que deixemos de lado um pouco do aspecto mecânico com o qual repetimos cegamente tradições não raro obedecidas às cegas, que o dia a dia no restante do ano também possui sua magia, desde que se dê algum espaço para o improviso e que não se tema o imprevisto.
Realizado esse cerimonial de retorno à vida cotidiana, vive-se a partir de então o Ano Novo sem esquecer de admirar sempre com a rapidez com que se sucedem dias, semanas, meses, numa sequência vertiginosa, de perder tanto o fôlego quanto a noção de tudo que se despede para sempre com esse intenso escoar dos dias e dos anos. É possível que os melhores momentos da vida sejam mesmo esses ocorridos inesperadamente, sem serem preparados, tampouco anunciados, às vezes mesmo em momentos passageiros - e muitas vezes só nos aperceberemos do valor desses instantes depois de transcorridos dias - em alguns casos, anos. E, surpreendidos com nossa própria distração, vemos que é Natal outra vez. No lugar da perfeição do ano passado, muitas das presenças que tornaram tão especial o Natal passado terão outros compromissos este ano, e as presenças confirmadas são poucas. Com um menor número de pessoas, não há muito sentido em preparar grandes ceias, até porque a ideia original da festa cristã não é a opulência de uma mesa. No momento em que se elabora o cardápio mais adequado da ceia para um grupo menor, vem a constatação de que, em vez de um grande número de convidados, com os poucos que virão será possível um aprofundamento nos diálogos e também nas relações, como uma adequação ao que se tem em mãos e seu consequente aproveitamento máximo.
Assim, a casa recebe mais uma vez os objetos de decoração, que, guardados durante todos esses meses, esperavam a hora de voltar a fazer parte do cenário de mais um Natal. Enquanto são retirados do papel, é possível passar em revista o período que chega ao fim. É possível que 2018 permaneça nas memórias como um ano histórico. A festa da democracia - denominação que às vezes se dá às eleições - dessa vez dividiu o país em dois extremos opostos, mesmo que ambos quisessem, cada um à sua maneira, a mesma coisa: mudanças radicais visíveis na realidade do país. Não foram poucos os episódios de violência, tendo havido até mesmo mortes em função da disputa entre os manifestantes. Passado o escrutínio, o ideal seria que as diferenças fossem esquecidas e os dois lados se unissem a partir desse anseio comum, ou seja, o Brasil melhor com que todos sonham. A criminalidade, os graves problemas na saúde pública e na educação, no transporte urbano, a crise econômica, entre tantos outros fatores, estão aí para serem resolvidos, e não será de um momento a outro que isso ocorrerá. Embora já tenha sido dito repetidamente, sempre é bom lembrar que a luta por um país melhor, onde a justiça prevaleça, antes de ganhar as ruas em protestos, passa inevitavelmente pelos pequenos atos de cada um, pelos gestos e escolhas de cada cidadão, ao longo dos dias, e isso, sendo uma questão de ética, pairando acima de qualquer ideologia, independe de cores partidárias.
Quanto ao último Natal e a impossibilidade de repetir sua perfeição, vale observar que sempre é mais valioso o instante que se tem em mãos, pelo simples fato de ainda podermos influir na concretização de sua realidade. O passado sempre pode ser rememorado, em parte revivido. É apenas com o passar dos anos e depois que se atingiu certa idade que se descobre algo na verdade bem simples: certos momentos não são apenas simples momentos, mas verdadeiras dádivas. E é assim que esses instantes devem ser vivenciados: respeitando o passado e tudo o que ele testemunha a nosso respeito, mas sempre privilegiando o que ainda pode ser modificado. E se é comum que nessa época do ano as pessoas expressem sua afetividade de maneira mais aberta e se ponham todos a festejar e a confraternizar, certamente é porque todos sabem, lá no íntimo, a grande dádiva que é a vida e que ela merece ser devidamente celebrada. Ano após ano, de diferentes modos. Por essas e outras razões, desejamos um feliz e abençoado Natal a todos os leitores, em um 2019 repleto de novas conquistas!.