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Uma histria feita de muitas histrias
Quando se lana um olhar para trs com o objetivo de compreender o passado, as percepes podem s vezes ser tantas quantos so os pontos de vista. De certa forma, verdade que a cidade que hoje conhecemos como Candelria comeou com uma simples estrada. Uma picada, no mais do que isso, uma via de acesso, lugar por onde se precisa passar para chegar a outro. No o destino em si, mas apenas um caminho. E a avenida que hoje conhecemos como Pereira Rego, em outros tempos, no era mais que um pequeno trecho dessa estrada, por onde passavam as tropas de muares, que faziam o comrcio entre os pampas e o Planalto Rio-Grandense. Aberta em 1798, a Estrada do Botucara formava, nas palavras de Aristides Carlos Rodrigues, "uma espcie de entreposto comercial que, pouco a pouco, foi crescendo no contato permanente com os tropeiros, lanando as bases para o surgimento da nossa hoje cidade de Candelria". ao lado do Botucara, portanto, nesse cenrio que a se criou, que a Histria foi tomando forma, e isso se processou em meio s atividades cotidianas, atravs de sua dimenso humana e da prpria condio de vida e trabalho dirio de seus personagens.
No importa, porm, em que direo lancemos o olhar, chegaremos a uma mesma concluso: a histria do municpio feita de chegadas precedidas de muitas despedidas. Esse incio, por si, pouco seria sem a convergncia de diversos outros fatores, tais como os descendentes de portugueses que aqui se estabeleceram, e, trazidos por eles, os negros na condio de escravos. Foi apenas em meados do sculo 19 que as primeiras famlias de imigrantes alemes chegaram ao interior do municpio, continuando uma histria de lutas e de f em dias melhores, mesmo que, para isso, tivessem de distanciar-se para sempre da terra que os viu nascer. Assim, a terra de origem no seria a mesma que, depois de concluda a jornada terrena, os acolheria em seu regao. Antes disso, contudo, protagonizariam uma histria de coragem e de muito trabalho, nas pequenas comunidades formadas em diversas localidades do interior. Eram homens e mulheres que obedeciam ao imperativo nico de sobreviver, no importando onde, nem como, nem a que custo. Pois sonhar nunca foi proibido. Dessas famlias, do-nos testemunho um nmero a cada dia lamentavelmente mais reduzido de casas e muitas lpides, essas tambm ameaadas pelo descaso e pelo tempo, que tudo devora. Mas esses viventes de outrora no pedem homenagens, embora as merecessem; a vida que tiveram j foi, em si, uma recompensa renovada naturalmente dia aps dia, por todo o tempo que viveram. A eles devemos, em grande parte, nosso passado em comum, ou seja, a histria de nosso municpio, cujo destino - e nunca ser demais lembrar-nos disto - est hoje em nossas mos.
Como se sabe, a histria de Candelria teve incio muito antes do dia de sua emancipao poltica, h exatos 85 anos. Como vimos, da abertura da antiga picada at hoje so mais de dois sculos. Somos, de certo modo, habitantes de uma estrada que se ramificou e estendeu por muitos outros caminhos. Seria certamente um exagero dizer que isso, de algum modo, nos define, mas talvez o fato diga alguma coisa sobre a nossa condio de cidados. Desse modo, seramos caminhantes? Peregrinos? Na verdade, desde que continuemos a jornada, no h necessidade de muitas respostas, com exceo das que normalmente e por natureza j buscamos, mesmo porque as trazemos em ns. Caminhantes somos todos ns que vivemos, aproximando-nos, passo a passo, das cercanias do territrio reservado aos que chegam ao fim ltimo, comum a todos. No difcil perceber que andamos todos para o mesmo destino; as trajetrias, os caminhos e o modo de andar so diferentes. Apenas o fim da jornada nos iguala e, ao mesmo tempo que nos une, de outra maneira tambm nos separa para todo o sempre, cada um imerso na mais completa, imperturbvel letargia. E assim, enquanto seguimos a marcha em um ritmo novo que buscamos sempre aprender, escrevemos, procurando trazer ao menos um pouco do passado luz. Bem sabemos que as palavras no trazem vida eterna nem salvao, mas, de uma forma ou de outra, trazem-nos a impresso de poder cristalizar ao menos um pouco o tempo e, desse modo, perpetuar imagens enquanto elas ainda sobrevivem, bem ou mal, na nossa memria.
Julho de 2010