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09/07/2010 16:46
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Quatro etnias na formao de uma mesma comunidade

Os tupis-guaranis e os lusos A povoao do territrio, futuramente candelariense, pelos indgenas teve seu apogeu entre os anos de 1633 e 1636, respectivamente os anos da fundao da reduo jesutica Jesus-Maria por membros da Companhia de Jesus e de sua destruio pela bandeira de Raposo Tavares. Essa povoao chegou a contar com um total aproximado de 10 mil ndios. Sabe-se que muitos remanescentes indgenas da reduo, depois de seu fim, permaneceram habitando as mesmas terras em que nasceram. Eram tupis-guaranis, lembrados por Protsio Moreira Knewitz como "os donos da terra" no texto do Hino a Candelria. Tendo decorrido cerca de um sculo de sua extino, comea no Rio Grande do Sul a colonizao pelos aorianos, tendo incio com eles um novo modelo de civilizao. A fase portuguesa de Candelria comea com a execuo do Tratado de Madrid, de janeiro de 1750. Por esse pacto, fica acertado que Portugal cederia "para sempre Coroa de Espanha a Colnia de Sacramento e todo o territrio adjacente a ela na margem setentrional do Rio da Prata", recebendo em troca o territrio das Misses Orientais. Para que o documento se efetivasse, as naes signatrias determinaram que fossem feitas as demarcaes correspondentes. Para tanto, foram designados o Gal. Gomes Freire de Andrade e, pela Espanha, o Marqus de Val de Rios. Desse modo, conclui-se que a Histria de Candelria, na sua fase portuguesa, nasce com a Histria de Rio Pardo, que, por sua vez, nasceu com o Tratado de Madrid. De acordo com Dante de Laytano, no Guia Histrico de Rio Pardo, "Rio Pardo uma consequncia do Tratado de 1750. Torna-se justo assinalar sua histria dessa data em diante"*. Atravs do processo de concesso de sesmarias, a regio, incluindo o solo candelariense, oportunizou o povoamento pelos portugueses. O critrio observado nas concesses era premiar pessoas que tivessem prestado servios relevantes ao Imprio. O povoamento do territrio candelariense, nesse estgio, tem profunda relao com uma medida militar. Trata-se da iniciativa tomada pelo Gal. Gomes Freire, executor do Tratado de Madrid por parte de Portugal, mandando vir, pouco depois de sua chegada a Rio Pardo, casais aorianos para colonizar o territrio das Misses, j pertencente a Portugal. Entre os remanescentes indgenas, estabeleceram-se aqui famlias que so ancestrais de todos os candelarienses de origem lusitana. Entre os proprietrios aqui fixados, consta Manoel Jos de Moura, certamente o mesmo que registrou seu nome na cruz de pedra localizada na primeira subida depois da Ponte do Imprio, onde se l a seguinte inscrio: "Em 1807 Manoel Jos Mora descubrio esta picada". Os negros Os afro-descendentes formam um captulo parte da colonizao portuguesa e introduzem uma nova etnia na formao da identidade candelariense. Os descendentes de africanos vieram com os portugueses, e constituam bens patrimoniais de seus senhores, sendo comum constar, nos antigos inventrios, relaes de escravos com seus respectivos valores, e, como bens, podiam ser comprados e vendidos. Tais compras eram feitas mediante escrituras de compra e venda lavrada em cartrio. Os imigrantes alemes no podiam possuir escravos. Essa proibio, prevista em lei, no se estendia, no entanto, aos seus descendentes aqui nascidos. Joo Kochenborger, por exemplo, em 1867, comprou os escravos de nome Joo e Felipe, sendo que possua outros alm dos mencionados. A estrada do Botucara: nasce um sculo e, com ele, uma povoao O captulo seguinte anuncia o despontar de um novo sculo na geografia candelariense. Novos personagens percorriam nosso cho: as tropas de muares, que faziam o comrcio entre os pampas e o Planalto Rio-Grandense. A Estrada do Botucara era percorrida por tropas formadas por dezenas de muares, que traziam da regio serrana a erva-mate, muito usada no sul do Brasil e em outras regies do continente. Contudo, a carga no se limitava a esse produto, pois, do Centro-Sul, os muares regressavam transportando toda sorte de mercadorias. Cada animal trazia no lombo uma cangalha de madeira, na qual eram pendurados balaios ou cestos de couro ou ainda tranados de cip ou taquara, onde se acondicionavam as mercadorias. frente, marchava o "biriva", montado na chamada "gua madrinha", que se diferenciava das demais pelo cincerro de bronze atado ao pescoo, tendo a responsabilidade de dar a direo tropa. Essas constantes passagens de tropeiros foram um dos fatores que mais contriburam para o povoamento de nosso municpio. Com o advento do sculo XIX, a Costa da Serra, aos poucos, ia sendo povoada, e um dos principais impulsionadores desse progresso era certamente a Estrada do Botucara. Em 1810 foi feito um melhoramento no incio da subida da serra, aps o Arroio Passa Sete. Nesse ano, as autoridades mandaram construir a escadaria ainda hoje existente no local. Visando oferecer melhores condies passagem das tropas de muares, foi cavada na prpria rocha. E "no somente a estrada servia de estmulo ao povoamento. Indubitavelmente, a regio era aprazvel e promissora; terras fertilssimas, servidas por uma rede admirvel de cursos dgua muito bem distribudos". E chegam os alemes A povoao por imigrantes alemes tem incio nas primeiras dcadas do sculo 19. O processo imigratrio deve ser compreendido como resultado de uma srie de fatores cujas origens se encontram tanto no campo quanto na cidade. No campo, as propriedades agrcolas eram constantemente diminudas pelas sucessivas divises hereditrias**. A esse aspecto somava-se a baixa produtividade do solo. O progresso industrial, entre o final do sculo 18 e primeiras dcadas do sculo 19, devido em parte s modernizaes trazidas pelas mquinas. Em decorrncia disso, inicia-se uma substituio da mo-de-obra, e, dessa forma, inmeros trabalhadores, como ferreiros, carpinteiros, teceles, entre outros, ficam sem emprego. Some-se a isso um quadro de misria cuja origem est tambm nas derrotas napolenicas e no estado de devastao em que tais batalhas deixaram grande parte do territrio europeu. A maior parte da populao era pobre e vivia num sistema econmico feudal, arruinado pelos conflitos. Assim, tanto para os agricultores como para os desempregados, a imigrao era vista como uma pequena centelha de luz em meio s trevas, mesmo porque no havia outra opo. Dessa forma, vindos da Prssia, da Rennia, entre outras cidades ou reinos alemes, o imigrante alemo a quarta etnia a surgir na formao da identidade do povo de Candelria. difcil dizer com preciso a data e o local do primeiro nascimento em solo candelariense. Muitas conjeturas poderiam ser feitas, mas opinar cobra o alto preo do risco e do erro. Assim, no podemos dizer, sem medo de cair na inverdade, que o primeiro candelariense teria nascido tanto no continente africano quanto no europeu, pois precisamos lembrar que de trs continentes esse povo. Mas parece justo considerar que o elemento indgena talvez merea com maior propriedade caso houvesse alguma reivindicao pela primazia. O guarani j se encontrava em nosso territrio quando da chegada e da partida dos jesutas. Foram os nativos que viram a chegada dos primeiros aorianos e seus descendentes, da mesma forma que os aorianos tambm viram a chegada do elemento germnico. Se as origens desse povo so to diversas, importante ressaltar o que essas quatro etnias tm em comum: o sofrimento. O povo tupi viu sua terra tornar-se objeto de disputa entre dois povos, espanhis e lusitanos, para depois servir de palco para uma batalha de propores verdadeiramente picas. Os lusitanos precisaram tornar habitvel uma terra em estado bruto e encontrar algum meio que lhes permitisse a sobrevivncia. Os negros aprenderam, atravs do trabalho escravo, o quanto um ser humano pode ser cruel quando decide exercer seu jugo sobre outro, no lhe permitindo o direito liberdade, que j havia sido assegurado pela Declarao Universal dos Direitos do Homem. Em resumo, foram homens que sentiram na carne o estigma de no ser considerado humano. Os alemes conheceram a triste sina de sentirem-se estrangeiros em sua prpria terra de origem, posto que esta no podia prover-lhes o sustento. Experimentaram a sensao de degredo na terra que os viu nascer e crescer, no tendo a oportunidade, concedida maioria, de nela fixar suas razes, sendo forados a procurar a esperana em dias melhores em lugares distantes, no se importando se havia ou no um oceano entre uma ptria e outra. Vivenciaram a experincia de partir sem saber o que iriam encontrar e de aqui chegar e desiludir-se com as promessas no cumpridas pelo Governo Imperial. "Aqui est a terra. Agora, tratem de se virar sozinhos"***, diziam-lhes. E ningum pode dizer que eles no venceram todas as etapas, inclusive a difcil tarefa de comear do zero. E, mesmo vivendo sob o signo da incerteza, conseguiram fazer jus frase do poeta alemo Johann Wolfgang von Goethe: "O que herdaste de teus antepassados s se torna teu por teus prprios mritos". Fontes: *RODRIGUES, Aristides Carlos. Candelria: sua Gente e sua Histria. **HINTZ, Marli Marlene. Retalhos de Candelria, RS, da pr-histria a colonizao: os imigrantes. ***RADNZ, Roberto. A terra da liberdade.