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Flauta, t dentro! Fanatismo, t fora.
Como faltam apenas duas semanas para terminar o ano, talvez esta seja a ltima coluna de 2010. Cheguei ao final do ano cansado e as horas parecem cada vez mais escassas para atender aos compromissos. Mas sempre tive f, e, ao apagar das luzes deste ano, o grande Deus me deu mais uma grande alegria. Uma, no; duas. A vitria do Independiente sobre o Gois colocou meu time de novo na Copa Libertadores da Amrica, e ano que vem teremos para comemorar mais um gaucho, um campeonato Brasileiro e uma Libertadores pelo menos; trs ttulos grandiosos e, quem sabe, alguns outros de menor importncia para ns, da clebre Nao Azul.
A segunda alegria se deu de um modo um tanto estranho, difcil de explicar, e tambm de entender. Pois na tera-feira eu experimentei de um mal do qual ainda no havia sofrido. tarde, um lapso de memria fez com que eu esquecesse completamente aquela palavra que, no budismo, significa paz e plenitude. Interessante que a fria que me acometeu por ter esquecido a tal palavra se deu logo aps o jogo entre Inter e Mazembe. Mas como tudo tem uma explicao, acredito que exista uma correlao. O xtase de um fato deu vazo ao esquecimento e isso me deixou frustrado. Nirvana, era a palavra. Eu tinha alcanado o nirvana, por duas vezes: uma aos 7 e outra aos 40 do segundo tempo daquele jogo.
No vou ser hipcrita ao ponto de dizer que no fiquei extasiado com a derrota do Inter. Mas vou considerar que, para cada ao, existe uma reao, mesmo que sobrenaturais. Ano aps ano recebo e-mails, montagens, o escambau de amigos que sabem a diferena entre "tocar flauta" e "fanatismo". Esses amigos tocadores de flauta fazem parte da minha vida e a manuteno de nossa amizade est acimentada no respeito mtuo. Inteligentes que somos, sabemos bem a diferena entre gozao e afronta. Alis, amizades que podem estremecer quando a paixo por um time se sobrepe a ela no pode ser verdadeira. Digo isso porque uma vez ousei em fazer uma montagem para tocar flauta em um grupo de colorados e postei no Orkut. Por pouco a brincadeira no foi parar na Justia. Alguns at me excluram da lista de amizades; outros me mandaram recados bem-humorados. Serve como termmetro para saber quem quem. Depois disso resolvi ser mais comedido em minhas brincadeiras e comentrios.
Passado um tempo, recebi uma foto de um grupo de gremistas que foram ao Olmpico e, inocentemente, os chamei na matria de "ps-mornos". Como o Grmio empatou o jogo, achei o termo de bom tom, uma vez que quando o torcedor vai ao estdio e seu time perde, chamado de p-frio. Em outras, quando o time ganha, o torcedor p-quente; por isso o p-morno. Eis que alguns tambm no gostaram, deixando evidenciado que no agrado gremistas e nem colorados.
Em um de seus artigos, o psiquiatra Jos Roberto Campos de Oliveira faz meno ao apego exarcebado ao futebol, religio, empresa, raa ou prpria famlia. Segundo explica, "quando enfrentamos a Argentina numa partida de futebol, no pensamos no tango, por exemplo. Nem nas suas cidades, nem em sua sapincia peculiar de viver, em seu jeito de ser, nem na linda feira de antiguidades de San Telmo, bairro de Buenos Aires. Nem na sua Cultura, nem em sua Literatura. Jorge Luiz Borges no existe naquele momento. No interessa o que podemos aprender com eles, o que podemos fruir de sua cultura. Quem est com culos de enxergar guerra, no enxerga o tango, no enxerga o teatro Coln, no enxerga Borges. Enxerga, sim, num argentino, um potencial inimigo. E traa estratgias para combat-lo. (...) O sujeito s consegue enxergar dentro de um foco especfico, que lhe foi imposto pela sua psicologia. Ele reduz sua dimenso existencial. No quer mais saber de nada, no quer mais aprender. Pensa que j sabe tudo o que lhe interessa. Fanatismo, portanto, sinnimo de empobrecimento intelectual. sinnimo de perda de outros ngulos de perspectiva. sinnimo de desconsiderao por outras pessoas e por outros pontos de vista. E, por fim, sinnimo, conclui-se, de perda de liberdade existencial".
Mui bien, doutor Campos Oliveira. Acredito que o texto se encaixa perfeitamente na atual conjetura que vivenciamos, e, to somente por isso, tenho que revelar aqui que admiro muito os argentinos, principalmente os do Independiente, assim como os amigos colorados tm como dolos os hermanos Guiazu e DAlessandro. Gosto de tango, tambm, assim como gosto do meu time na Libertadores. Gosto e preservo meus amigos colorados e, neste universo cultural que o futebol nos proporciona, aprendi a ser ecltico e a gostar at do desconhecido Tout Puissant Mazembe, ou na mais literal traduo do francs: "Todo Poderoso Mazembe". , Deus, Todo Poderoso, se manifesta das formas mais incrveis e inimaginveis, acreditem... at mesmo no futebol.
Bom Natal e bom Ano Novo a todos!