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25/08/2009 16:56
Por:

DaredEvil Journalist - Parte 2 Entrevista no futuro com um assessor parlamentar

Depois da bombástica e exclusiva entrevista com o ladrão de calcinhas de Cerro Branco, The Daredevil Journalist, dotado de poderes extrasensorias, paranormais e adivinhativos foi ao futuro para entrevistar um assessor parlamentar. Após 365 tentativas frustradas, o telefone do parlamento finalmente atendeu e pudemos manter um contato com o servidor, que iremos chamar carinhosamente de Dandão.
– Senhor Dandão, aqui é o Daredevil Journalist, e gostaria de fazer uma entrevista falando sobre o dia a dia de um assessor parlamentar. Seria possível?
– Mas quem é que tá falando mesmo?
– O Mário.
– Qual é o Mário?
Num primeiro momento, senti o assessor meio fraco para o cargo, já que estes devem ser espertos e estar preparados para qualquer tipo de situação, como pegadinhas sobre o Mário. Deixei a história do armário de lado, me identifiquei novamente e marcamos a entrevista para o outro dia bem cedo, às 10h50. Às 11h50, pontualmente, ele apareceu, com os olhos tipo flor de flamboyant mas muito bem trajado, com uma calça de moleton vermelha e sapato preto de bico fino. Eu nunca havia falado com Dandão, mas é impressionante como os subordinados políticos adquirem os trejeitos e incorporam a personalidade de seus superiores. Me deu um tapinha no ombro, levou a mão às costas e veio vindo (boa essa) até apertar minha mão e me chamou de “meu querido”.
Meu já íntimo entrevistado explicou que passara a noite em claro desenvolvendo um projeto importantíssimo para arredondar os bicos dos paralelepípedos para evitar que as pessoas caíssem tombos e também escrevendo uma carta para a AES Sul, solicitando que o asfalto das rodovias que passam pelo município fosse pintado num lado de azul e noutro, de vermelho, para homenagear os times gaúchos. Me vi obrigado a dizer que a AES Sul lida com luz, que o pedido deveria ter sido feito ao Daer e sugestionei que também solicitasse a mudança de cor dos “olhos de gato” para verde e branco, como forma de homenagear, em menor escala, o Juventude. Ele ficou de aparar as arestas e se mostrou muito contente com minha sugestão.
Já no luxuoso gabinete, em meio ao entra e sai de pedintes eleitores, toques de celular e gritos histéricos em outras salas, me chamou a atenção uma bandeja enorme com três térmicas de café: uma sem açúcar, outra com açúcar e outra com adoçante. – “Não sei porque, mas só as pessoas gordas gostam de tomar isso”, analisou sabiamente, referindo-se ao café com adoçante. Aproveitando, me mostrou o frigobar recheado de Coca-Cola, sanduíches, latinhas de Red Bull e um litro de plástico de cana Moreninha, justificando que algumas “visitas” gostam mesmo é de samba, e servido ali economiza o “vale-cachaça”, recém aprovado em plenário. No outro lado da sala, um computador dos mais modernos, com monitor de vídeo LCD de 20 polegadas, discrepava da máquina de escrever Olivetti Lettera 82. Perguntei a Dandão o que aquilo estava fazendo ali. – “Ah, este trambolhão é só pra jogar paciência e dar umas olhadas nas “muié pelada”, na “preibói” sabe?”, explicou.
A máquina de escrever continha um formulário solicitando uma diária ao distante município de Novo Cabrais, e como o chefe do assessor era famoso por ter um currículo invejável em viagens, coisa que dava para comprar uns dois ou três carros populares por ano, perguntei se era realmente preciso pegar tanto dinheiro além do salário e gastar o dinheiro do povo com viagens curtinhas. Ele respondeu que sim, pois foi a forma encontrada para pagar tragos nas budegas e nas festas, para o combustível para o carro, para as passagens, para as fichas do “isnúqui” e os “tempos” da bocha, et cetera...
As atribuições de um assessor ele disse serem inúmeras, mas entre elas, garantiu que seguramente as mais importantes eram a de “tropeiro de patrola” e de exercer tração escrotal em pessoas influentes. Em off, Dandão me disse que propinas pagas a um informante na secretaria de Obras lhe garantiam saber o local, dia e hora para onde a patrola vai. Assim que ela sai do pátio, ele vai atrás (ou na frente) da patrola comunicando a população que foi o seu chefe vereador que mandou arrumar a estrada; já a tração escrotal dispensa comentários e ambas garantem a simpatia, dinheiro e os futuros votos que manterão seu chefe e ele nos respectivos cargos.
Como já estava quase no fim do expediente de Dandão (por volta das 2 e meia da tarde), perguntei ainda do que ele mais gostava na profissão. – “Sem dúvida alguma acompanhar meu chefe aos congressos litorâneos e aparecer nas fotos quando aparecem outras autoridades”, respondeu.
– “Tipo papagaio de pirata, que está em todas?”, indaguei.
– “Sim, respondeu. Nosso negócio é aparecer. Só não gostamos de aparecer no jornal quando vocês fazem aquelas matérias que falam em diárias, em gastos, sabe? Daí vocês vão “levar pau”. Vocês até podem estar certos, mas isso põe em risco nossa reputação. E o povo, que não é bobo nem nada, cobra isso da gente. Só não coloca isso, tá, deixa em ‘ófi’, pois imagina se essa coiozada se revolta e não vota mais na gente?”, arrematou.
– “Ok, deixa pra mim”, respondi, me dizendo satisfeito pela presteza.
Me lambuzando de elogios, o assessor me deu outro tapinha nas costas, um abraço e também agradeceu pela oportunidade de mostrar seu trabalho ao povo.
Nós é que agradecemos, Dandão. Nós é que agradecemos.