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Opinião 11/11/2021 13:59
Por: Odete Jochims

Por Erni Bender - Hão de chorar por ela os cinamomos

É impressionante como um elogio pode mudar a vida de uma pessoa.

Se tem algo que marcou profundamente a minha vida foram os professores que tive. Alguns o fizeram tão profundamente que lembro deles até hoje com muito carinho; alguns, porém, deixaram cicatrizes indeléveis na minha vida.

 

Quando comecei o primeiro ano do primário, como chamava na época, tive sérios problemas com uma professora, que era freira, e não sei por que cargas d’agua era contra os canhotos, a ponto de me bater na mão, de forma violenta, com uma régua de madeira enorme, porque eu insistia escrever com a mão que na cabeça dela, era errada. É claro que reclamei com minha mãe. Eram, no entanto, outros tempos, e ela não deu bola, ou não acreditou, de forma que continuei apanhando na mão de régua. O cúmulo aconteceu quando a tal “professora” resolveu me amarrar. É quase inacreditável, mas ela me amarrou com corda o meu braço esquerdo, como se fosse um crime eu ser canhoto. Sofri muito com isso, com o deboche dos colegas – hoje chamado bullying. Para compensar, tive no segundo ano a professora Rute, de grande sapiência, educadora nata, e no terceiro e quarto ano a professora Alba (essa sim, um exemplo de professora), que estimulava os alunos a fazerem o que eles iam fazer na escola: aprender.

Depois dessa fase, meu pai resolveu que eu deveria ser militar, a exemplo de meu avô, que foi coronel do Exército austríaco nos tempos de guerra, e que acabou no Brasil por conta dessa mesma guerra. Fiz a prova de admissão, passei, mas nunca coloquei os pés no Colégio Militar. Não era para mim, eu já sabia isso – para grande decepção do meu pai.

A partir daí fui estudar em um colégio bastante conceituado de Curitiba, o Colégio Bom Jesus, excelente instituição de ensino, que também me reservou muitos problemas, mas muitas alegrias.

Tinha um professor de matemática chamado Ilário: o homem era o terror. Gostava de chamar o aluno ao quadro e lá ele tripudiava de maneira sórdida a “ignorância” dos alunos. Me perguntei diversas vezes se a culpa não era dele, de nós não sabermos a matéria. Depois de adulto tive certeza. O homem nos chamava de “burros”, “idiotas” e outras palavras indecentes para meninos de 10 anos de idade. Eu odiava o colégio e tudo o que se referia a ele.

Mas esse ódio teve fim, graças a dois professores que foram realmente Professores com o P maiúsculo. Professor Valdemar, de matemática, que me fez até mesmo gostar da matéria, e o inesquecível Lauro Fank, professor de literatura.

Acontece que depois de tanto sofrer nas mãos de alguns, meu ódio pela escola era enorme. Muitas vezes fui para escola embaixo do mau tempo criado pela minha mãe, que dizia: “ou escola, ou tunda”. Eu preferia a escola. Entretanto, isso mudou a partir do poema “Hão de chorar por ela os sinamomos”, de Alphonsus de Guimaraes. Estávamos na aula de literatura, e o professor Lauro pediu para um aluno ler o poema... silêncio total. Óbvio que ninguém queria ler. E ele me chamou: “Erni, leia o poema em voz alta para a classe”. Muito assustado, levantei-me, e comecei a ler. Após a leitura, o professor teceu enormes elogios a meu respeito (talvez prevendo que me tornaria um radialista), dizendo que tinha ótima dicção, além de uma bela voz. Em seguida, pediu para alguém interpretar o poema, e como ninguém se ofereceu, eu já estava de pé mesmo, interpretei. e aí foram mais elogios.

É impressionante como um elogio pode mudar a vida de uma pessoa. A partir daí, me tornei um bom aluno. Não cheguei a ser ótimo porque não amava tanto assim a escola, mas minhas notas começaram a mudar: comecei a fazer os temas e me dediquei muito mais. Os professores, desconfiados de que as minhas notas boas teriam sido obtidas na base da “cola”, de início isolavam uma carteira, e lá eu fazia as provas sozinho, alcançando boas notas e convencendo os professores que realmente eu tinha mudado.

E assim passei o ginásio e a faculdade, sempre lembrando desse elogio que o professor Lauro Fank me fez, nunca mais esqueci. Depois de adulto, procurei por ele, mas não encontrei. Procurei também a freira que me batia – ainda bem que não encontrei. E procurei o professor Ilário, que ia ouvir poucas e boas: queria que ele soubesse o quanto mal fez a mim e a outros alunos que tiveram o infortúnio de ser aluno dele. Ele, infelizmente, havia falecido.

Eu não sou a favor de passar a mão na cabeça das crianças defendendo elas de tudo. Creio que na maioria das vezes, os professores tem razão, ainda mais no mundo indisciplinado que vivemos. Conheci algumas professoras de minha filha, que com autoridade e competência conduziam o bom ensino. Em especial duas delas (não vou citar nomes para não ser injusto com ninguém, mas aprendi com elas que é possível haver disciplina com ensinamento e educação). Professores muitas vezes são mais que nossos pais. Dei o exemplo do professor Lauro, que jamais esqueci, e talvez cheguei aonde estou muito pelos ensinamentos dele. Professor merece respeito e carinho. Eles são os semeadores do futuro, bom ou ruim, depende daquilo que eles alimentam nos alunos.

 

Hão de chorar por ela os cinamomos

Hão de chorar por ela os cinamomos,

Murchando as flores ao tombar do dia.

Dos laranjais hão de cair os pomos,

Lembrando-se daquela que os colhia.

 

As estrelas dirão — "Ai! nada somos,

Pois ela se morreu silente e fria.. . "

E pondo os olhos nela como pomos,

Hão de chorar a irmã que lhes sorria.

 

A lua, que lhe foi mãe carinhosa,

Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la

Entre lírios e pétalas de rosa.

 

Os meus sonhos de amor serão defuntos...

E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,

Pensando em mim: — "Por que não vieram juntos?"

 

Alphonsus de Guimaraens