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Colunista 26/08/2017 21:02
Por: Wagner Azevedo

Tempo que acalma, tempo que violenta, tempo que causa, que é consequência...

Quando fiz a opção pelo curso de História, há sete anos, não me dei conta de que meu apreço pela ciência estava além daquilo que ela responde ou problematiza. Sete anos mais tarde percebo que meu interesse está além dos fatos, concretiza-se naquilo que é talvez a principal abstração: o tempo.

Mesmo sendo acadêmico de História, estudando o tempo, aquilo que é e como ocorre, me sinto incapaz de defini-lo com exatidão. Porque sei também que não há exatidão, o tempo é relativo para cada um. Acredito que a relatividade esteja expressa ainda no livro de Eclesiastes, tudo e todos têm o seu tempo. Sendo o tempo relativo, seria possível relativizar aquilo que fazemos com ou no tempo? Qual o papel da memória e da história nessa relação?

Na busca de respostas acadêmicas, há uma variedade de respostas. O tempo presente que cria o passado, o passado que é um grande presente, o tempo que só é tempo quando é possível ser medido e transformado pelo homem – hoje em dia, como finalmente se reconhece, as mulheres também agem - ou o tempo que só concluímos existir quando houve registro de que existiu – dizer que isso se refere ao fato ou ao sujeito é eufemismo à exclusão da existência temporal. A História enquanto ciência não pode se eximir dessas respostas e perguntas, a discussão não está vencida e nem será. E, apesar da sua importância, o seu desenrolar se fecha no próprio meio.

Pessoalmente possuímos outras relações com e no tempo. Essa relação “com e no” constrói e reconstrói aquilo que somos. A nossa relação com o tempo deve formar enquanto síntese da memória e da imaginação a esperança. Fazer memória é desse modo essencial para a construção daquilo que sentimos. Rememorar as dores e as alegrias, os prazeres e os medos. Ter presente no tempo, aquilo até que o tempo dos historiadores não traduz, o sentimento pleno e fervoroso, registrado na mente e no coração – seja a saudade, sejam os traumas. Imaginar em si e para si aquilo que viveremos e sentiremos, projetar (!), lançar-se àquilo que se busca e construir a narrativa da própria vida.

A vida que construímos que construirá a própria vida. Conscientizar do que vivemos, do afeto que recebemos e damos, para saber por onde e com quem caminhar. Viver o seu tempo, com a memória e a esperança, da partilha, da comunhão de outras vidas e outros tempos. Assim é o Prelúdio de Raul, “o sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade”. Aprender com a própria vida, com o sentido concreto de uma vida particular, mas compartilhada. A partilha que gera aquela imensa multiplicação faz a vida transbordar por outras vidas. O afeto e o amor a si, à outra e às outras. A esperança não se faz por si só.

Hoje o tempo que vivo, ou vivemos, é o da angústia e da tristeza. A dificuldade de formular a própria imaginação do futuro, com o conflito das memórias constrangedoras. Fazer a esperança brotar nesse terreno espinhoso não garante sobrevivência plena. Aquilo que nasce ou aquilo que morre está pelo espaço que se consegue. Boaventura de Sousa Santos, no seu novo artigo, “A esquerda sem imaginação”, aponta aquilo que sufoca a própria imaginação, a preservação da memória da própria morte: a relação do capital, do colonialismo e patriarcado. Sustentar os valores da desesperança impossibilita não só a realização de um projeto, mas também abstrair, imaginar e sentir o próprio como superação das angústias.

Aprimorar a relação pessoal com o tempo é o necessário para viver o/no tempo que queremos. Qual é o kairós, qual é tempo de Deus, ou o tempo certo, não se sabe, não saberemos. A memória e a imaginação é o que se sabe. Cuidar da memória, cuidar daquilo que pode vir, isso sim gera a esperança. Relacionar-se no tempo presente, com a memória e a imaginação, o objetivo e o subjetivo, sentido ou querer-sentir ou não querer-sentir, nascer no inverno temporal as flores e a primavera como querem Rubem Alves e Albert Camus, em comunhão como querem Paulo Freire e Raul Seixas. Sim, estes querem, porque o kairós de suas palavras e vidas devem de ser agora e eternas.