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Colunista 15/05/2018 09:08
Por: Ângelo Savi

Drogas e crime

Imagine um menino de 17 ou 18 anos da periferia de uma cidade grande, ou de qualquer cidade, querendo ser dono do próprio nariz. Ele resolve trabalhar (na verdade ele tem que trabalhar). Não tem muito estudo porque não é muito fácil estudar mesmo. Mas digamos que ele tem o segundo grau completo. Só há sentido em se cursar o colégio se ele for arrematado por um curso universitário. O primeiro e o segundo grau não capacitam para nada. Só para ler, escrever e fazer algumas contas. Entretanto, a julgar pela divulgação dos índices de aproveitamento escolar, nem para isto servem, porque o índice de analfabetismo funcional é muito grande. No Brasil, nenhum levantamento estatístico é muito confiável e na internet tem índices para todos os gostos, mas sempre muito grandes. Há até um índice de 37% de analfabetismo funcional para universitários. Analfabetismo aritmético então nem se fala, pois é óbvio que a quase totalidade da juventude não sabe fazer as quatro operações. Basta ver a dificuldade que qualquer caixa de qualquer comércio tem para calcular um simples troco. Além disto, há a questão dos hormônios. Como a escola vai competir com uma menina ou um menino de 13 ou 14 anos, que estão com os hormônios à flor da pele, coagindo-os a se interessar por sexo? Como o estudo de uma equação do segundo grau ou das peripécias do imperador Sargão o Grande, que aconteceram há mais de três mil anos, podem bater-se com o facebook, o youtube ou o whatsapp? É claro que não podem, a não ser que fossem apresentados de forma mais sedutora que os competidores, o que, obviamente, é uma tarefa amazônica e que não será feita por professores desmotivados e sub-remunerados.

Mas voltemos ao nosso menino pretendente a um emprego. Ele não tem capacitação para fazer nada. Mal sabe ler e fazer continhas de adição e subtração. Se for contratado, seu empregador terá de no mínimo lhe fornecer algum curso rápido de capacitação. Além do mais, tem de lhe pagar um salário mínimo e todos os encargos que dobram o seu custo. Poucos pensam nisso, mas a existência de um salário mínimo é o fator mais relevante para que haja desemprego, principalmente entre jovens pobres, justamente por causa do óbvio desincentivo para que se contrate por um custo fixo e alto alguém que não tem capacitação. E aí o nosso herói juvenil fica desempregado. Ocioso, ele passa a perambular pela rua e encontra outro rapaz, que se dedica ao tráfico. Este tem dinheiro, até um carro, anda armado, tem namoradas, prestígio e é respeitado pela comunidade, porque, sendo bandido, causa temor. Dá para duvidar que ele fique tentado a também traficar? É claro que não, principalmente considerando que a juventude é muito suscetível ao apelo de uma vida aventurosa. E assim, sem que seja necessário nenhum esforço, os donos do tráfico têm uma fonte permanente de mão de obra para a sua atividade apenas pela realidade dos fatos.

A intervenção no militar no Rio de Janeiro provavelmente é necessária, talvez até indispensável, pois lá se desbordou da mera criminalidade para a efetiva tomada de poder real - de mandar e não pedir - pelas facções criminosas. E do jeito que as coisas vão, esta situação irá se instalar em todo o país, mesmo em pequenas cidades. No entanto, para que ela fosse eficaz, teria de ser tão severa que não valesse a pena para os jovens ingressarem no crime. Bandidos cheios de dinheiro e armados até os dentes só se rendem se forem vencidos por uma força muito maior do que a que têm. E enquanto o exército depende de mandados de busca, de autorizações judiciais e burocracia, os traficantes travam uma guerra assimétrica, de guerrilha. Para funcionar, o incentivo para que os jovens trafiquem tem de ser menor que as suas consequências negativas. Senão a intervenção de nada adiantará, porque sempre haverá alguém disposto a ingressar no tráfico, motivado pelas vantagens que ele traz, e o nosso jovem desempregado continuará sendo atraído como mosca pelo mel para o banditismo. E nós, pagando o pato por vivermos num país torto.