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Geral 26/08/2022 08:59
Por: Odete Jochims

Uma história real de violência doméstica

Conheça a história da candelariense que, após viver uma relação violenta por 15 anos, expõe as dificuldades que sofreu - e ainda sofre - na busca pela dignidade

  • Após anos lutando para se libertar de um relacionamento abusivo, candelariense busca conscientizar a comunidade através de sua história

A história de Maria (nome fictício) começa há 16 anos, quando a garota do interior se casou e foi começar uma nova vida com o marido em outro município. E, embora muitas relações sejam atravessadas por problemas, ela não fazia ideia das dificuldades que iria enfrentar na busca pela felicidade.

Desde o início do casamento, ainda com 18 anos, Maria ouvia comentários como: “você precisa se arrumar mais”, “não pode sair com esta roupa”, entre outras conhecidas frases que buscam ditar o controle na relação. Ela aponta que era comum que seu companheiro saísse para trabalhar e a deixasse trancada no apartamento. “Nestas ocasiões, ele não atendia ao telefone e me deixava presa durante todo o dia. Quando ele voltava, alegava ter levado as chaves por engano e, muito carinhoso, sempre pedia desculpas pelo acontecido. Na época, eu achava isso normal”, relembra.

Comumente, a violência doméstica tem início através da violência psicológica. Agressões que não são perceptíveis aos olhos de terceiros, mas que ferem profundamente a autoestima e a dignidade da mulher. Ela conta que as coisas foram acontecendo aos poucos, quase todos os dias o marido aumentava seu controle sobre ela por meio de alguma frase, atitude ou mesmo um olhar ameaçador. “Se eu tentasse dizer que aquilo não me fazia bem, ele revertia e colocava a culpa em mim. Falava que eu não devia reclamar, porque ele me dava tudo. No fim, eu me sentia muito mal”, conta Maria.

Após o nascimento de sua filha, Maria lembra que seu marido não queria que ela retornasse ao mercado de trabalho. Com uma profissão bastante rentável, afirmava que seu salário era suficiente para manter a família. Insinuava, ainda, que uma boa mãe não deixaria seus filhos sozinhos, dizendo que ela seria a culpada se eles ficassem doentes. Tais frases a enchiam de temor e inseguranças. Quando sua filha ficou doente, foi prontamente responsabilizada pelo marido e, cheia de medo e culpa, resolveu deixar o trabalho para cuidar da casa e filhos por tempo integral.

Longe da família e também do emprego, Maria passou a conviver sob um novo aspecto da violência doméstica: a violência patrimonial. Ela relata que o marido passou a regular todos os seus gastos. “Se eu pedia uma roupa, ele dizia que eu não precisava disso. Uma vez, me deixou com quatro reais para passar a semana, e, aos poucos, eu ia aceitando aquilo como normal”, revela. Foi por meio da violência patrimonial que, por muitos anos, o marido impediu que Maria o deixasse, através de frases marcantes como: “Você tem filhos, acha que vai conseguir se sustentar? Se você for embora, eu vou ficar com as crianças e você não vai mais vê-las”.

Os abusos aumentavam e, ao perceber que Maria já não era tão submissa quanto costumava ser, o marido passou a ser ainda mais violento. “Quando ele não gostava da comida, ele jogava o prato no chão. Outras vezes também quebrava copos. Uma vez ele chegou a derrubar uma panela de óleo. Depois destas atitudes, ele dizia que havia sido sem querer, que estava muito ocupado e me mandava limpar tudo. Foi nesse período que ele recorreu à violência física pela primeira vez”, recorda Maria. Após tantos anos sofrendo calada, Maria pensou muitas vezes em tirar sua própria vida. “Depois de certo tempo, eu passei a não querer mais viver; pensei muitas vezes em me jogar da janela do apartamento”, relata. Contudo, o amor pelos filhos não permitiu que ela levasse o plano adiante.

“Demorei três anos para reunir a coragem necessária para deixá-lo”, afirma Maria. Quando o dia chegou, ela falou para a filha que ira conversar com o pai. “Falei para ela: ‘fica no quarto com o telefone para ligar para alguém’. Minha filha tremia. Estávamos apavoradas”. De acordo com ela, quando pediu o divórcio e avisou que estava indo embora, o marido fez ameaças. “Ele disse que se eu fosse embora, não sobreviveria para contar o que acontecia dentro de casa, e que, se eu não fosse dele, não viveria para ser de ninguém”, descreve. Entretanto, Maria não cedeu e conseguiu sua liberdade.

Nova vida, novo desafio

Atualmente, Maria tenta levar uma vida normal. Embora sinta medo, está reaprendendo a viver. “Sei que as marcas do que vivi nunca vão desaparecer, mas, na terapia, aprendi que preciso conviver com elas. Hoje sei que é possível sorrir e me divertir”. Entretanto, aponta uma nova dificuldade de seu dia-a-dia: a discriminação que sofre de conhecidos, amigos e até familiares.

“O que mais machuca são os julgamentos. As pessoas chegam e falam que eu sou louca de ter me separado dele, que eu devia ter feito algo de errado, porque ele é um homem bom. Mas não sabem o que eu passei todos esses anos. A mulher que vai embora é muito estigmatizada na nossa sociedade. É preciso que as pessoas entendam que a violência acontece apesar das aparências e do dinheiro”, conclui Maria.

Encorajar vítimas de violência doméstica a denunciarem casos de abuso é muito importante. Mas é só o primeiro passo para reconquistar sua liberdade e dignidade. Pois, mesmo após o fim do relacionamento, muitas mulheres precisam conviver com os julgamentos e o preconceito da sociedade, que parece insistir em culpás-la pela violência que sofreram. É fundamental que, como sociedade, avancemos nestas discussões. O trauma e a vergonha não devem ter um peso maior do que é de fato mais grave: a violência doméstica. Este é o único caminho para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e preocupada em assegurar direitos essenciais para todas as mulheres.

 

Uma por todas, todas por uma.

Nesta quarta, 24, a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos das Mulheres, realizou uma blitz no centro, onde realizou a distribuição de materiais informativos sobre violência doméstica. A atividade compõe a programação alusiva à campanha Agosto Lilás – Mês de conscientização sobre violência contra a mulher. Estavam presentes na ação as vereadoras Cristina Rohde, Alexandra Bini e Ginevra da Silveira; e as assessoras Bárbara Wohlenberg e Luana Tavares. Ainda, faz parte da programação da frente, a realização de palestras nas escolas, além de uma peça teatral organizada pelo Teatro Cara e Coragem. ( Por : Charles Silva )