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Opinião 11/02/2021 15:18
Por: Redação

Por Erni Bender: As histórias do meu avô

Uma das boas dádivas de ser avô é ter histórias para contar. Confesso que não sei se a juventude de hoje escuta as histórias dos avôs, mas se não escuta está perdendo grandes histórias, de muita emoção, lágrimas e risos

Eu tive o privilégio de ter um avô materno, Stephan Zenkl, que adorava contar histórias. O paterno, infelizmente, não conheci. Ele era húngaro e veio ao Brasil com aproximadamente 20 anos. Me contou histórias da Hungria e do Brasil repletas, como num bom filme, de muita emoção. Da Hungria, de sua mocidade, muitos relatos de brigas, tiros, um inclusive em sua perna - ele contava que para salvar a vida de um amigo, que ia levar um tiro, bateu no braço do atirador e acabou sendo atingido na perna. Vamos convir que para um garoto de oito ou nove anos, na época, era algo inacreditável. Meu avô era um super-herói para mim. Contou muitas histórias da Hungria em tempos de guerra, de onde ele fugiu para o Brasil para justamente ficar em paz, além de escapar do comunismo, que perdurou até pouco tempo naquele país.

Meu avô veio para o Brasil e aqui começou vida nova. Foi ser carpinteiro, sem falar o português, e nunca conseguiu aprender totalmente. Trocava muito o “a” pelo “o”, eram peculiares suas atrapalhadas com a língua, o que para mim era o “supra-sumo”. Eu queria falar como meu avô. Mas, mesmo com o sotaque carregado, ele contava suas aventuras. Me lembro especialmente de duas. A primeira é que ele chegou ao Brasil, não me lembro em que lugar, mas estava com fome e viu um pé de mamão. Naquela época, e não sei se tem hoje, não existia mamão na Hungria - ao menos meu avô me garantiu que não tinha-, e ele, com fome, subiu no pé de mamoeiro. Não preciso nem dizer que o tombo foi grande por causa da fragilidade do caule do mamoeiro. O pé veio abaixo com os mamões e meu avô, assustado, conheceu ali o mamão e o tombo.

Outra história hilária: ele morava em uma chácara e pertinho dela tinha a casa do vizinho, na divisa. Certo dia, o vizinho, segundo meu avô, estava discutindo com a esposa, que lá pelas tantas começou a pedir por “socorro, alguém me ajude”. Meu avô, cavalheiro, resolveu então intervir. Foi à casa do vizinho e o chamou. O vizinho apareceu e ele indagou: a sua mulher está pedindo socorro porque você está batendo nela? Nisso, a mulher sai porta afora e grita para o avô: “não te mete, tá batendo no que é dele....” Claro que é uma situação inadmissível, mas eram outras épocas. Meu avô não era acostumado a isso (na realidade ninguém é, pois é algo totalmente condenável), mas a tal esposa do vizinho pelo jeito “gostava de apanhar”, se é que isso é possível. Meu avô se retirou não entendendo nada.

Quantas histórias e eu adorava ouvi-las, mas infelizmente meu avô partiu e me deixou órfão delas. Eu sou avô e, sinceramente, espero um dia poder contar para a minha neta algumas histórias. E creiam, tenho muitas para contar. Tomara que ela, assim como eu, tenha ouvidos para ouvir.