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Opinião 17/11/2020 19:09
Por: Redação

Por Erni Bender: Caixão não tem gavetas

"E por estes fatos que não quero parar no obituário. Entenda que não tenho nada contra, não quero julgar sentimentos nem ações alheias, mas não quero ser lembrado assim."

Não quero virar foto de obituário. Dias atrás, folheando um jornal regional, me dei conta de uma página do obituário, onde familiares e amigos homenageavam uma pessoa que havia falecido há um ano, com os devidos lamentos de quem perdeu um ente querido. Acho justo, compreendo, mas não quero que façam isso comigo.

Estamos nesse mundo de “passagem” e acredito piamente que aqui é um lugar de “filtração”, onde nossas ações, boas ou não, irão definir nosso retorno ou se vamos viver em outro plano, e como já foi dito milhares de vezes que somos “passageiros” desta grande nave chamada terra, onde chegamos sem carregar nada, e iremos embora da mesma forma, como dizia meu saudoso amigo de Rio Grande, Pedro Félix Rajão: “Seu Bender, caixão não tem gavetas”, carregado de seu forte sotaque português, e de imensa verdade, a conclusão é de que caixão não tem gavetas.

E com essa máxima aprendida, me assusto de ver centenas de pessoas que ainda não perceberam que não adianta pensar que é mais porque tem dinheiro. Como dizia Vinícius de Moraes, o poetinha, como era conhecido, “quem já passou por esta vida e não viveu, pode ser mais, mas sabe menos do que eu”. Creio que é assim, como diz o ditado: “tão pobre que só tem dinheiro”, e a vida é muito, mas muito mais do que dinheiro e posição. Alexandre o grande, próximo à sua morte fez três pedidos: que seu caixão fosse carregado pelos melhores médicos da época, que os tesouros que possuía fossem espalhados pelo caminho até o seu túmulo, e que suas mãos ficassem fora do caixão, à vista de todos. Quando indagado pelos ministros uma justificativa, respondeu: “Eu quero que os melhores médicos carreguem meu caixão para mostrar que eles não têm poder nenhum sobre morte; quero que meus bens fiquem espalhados para que todos percebam que todas as riquezas conquistadas ficam aqui, e quero que todos vejam minhas mãos porque chegamos a esse mundo de mãos vazias, e vamos partir da mesma forma.”

E por estes fatos que não quero parar no obituário. Entenda que não tenho nada contra, não quero julgar sentimentos nem ações alheias, mas não quero ser lembrado assim. Se minhas ações não forem suficientes para, de vez em quando, ser lembrado pelas pessoas que eu amei ou que me amaram, a existência não terá valido a pena, no meu entender.

É claro que não tenho vocação pra santo e muito menos quero sê-lo. Não sou merecedor, mas tenho meus atos pautados por conduta que aprendi com as “tundas” que minha mãe me dava e, mais ainda, com o olhar severo de meu pai, aprendi a respeitar, contanto que seja respeitado, aprendi a fazer o bem, e aprendi a não ser vingativo.

É preciso que se entenda que logicamente tenho momentos de raiva, nos quais chego (infelizmente) a perder o controle, mas tenho no coração o dom do perdão, quando me é solicitado, e tenho humildade o bastante para pedir o perdão quando estou errado. De modo que tenho certeza que já prejudiquei e magoei algumas pessoas, porém, tenho a tranquilidade de saber que jamais prejudiquei alguém deliberadamente, não sei “maquinar” o prejuízo e, portanto, consigo carregar um coração leve neste sentido, e já aproveito para pedir desculpas aos que de alguma maneira prejudiquei. Tenham certeza que não foi proposital.

E por isso tudo, espero não parar no obituário. Minha esposa e minha filha estão cientes do meu último pedido de ter as minhas cinzas espalhadas, uma parte no meu pátio que amo tanto, e outra parte no “meu” Parque Witeck, outro local que amo de todo coração. De resto, vieste do pó, ao pó voltarás.

Erni Bender