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Colunista 02/09/2017 15:46
Por: Guilherme Brambatti Guzzo

O que fazer para tentar não ser soterrado pelas bobagens da internet

Quando eu era adolescente, nos anos 1990, e tinha uma pesquisa escolar para fazer, poucas eram as opções de material e obras de referência para consulta. Eu poderia ir direto na fonte, ler Darwin se estivesse tentando entender melhor a ideia de evolução, por exemplo, mas isso eu aprendi depois, na graduação. O que era comum a nós, estudantes de Ensino Fundamental e Médio da época, era buscar informações em enciclopédias como a Barsa, ou em almanaques anuais, como o da Abril, no qual era possível encontrar dados relacionados a história, geografia e algumas questões atuais.

Hoje, é provável que estudantes de Ensino Médio não saibam o que é a Barsa e usem a internet para fazer as suas pesquisas de escola, e também para se informar sobre o que mais se interessarem. A vantagem da nova geração é óbvia: rapidez de acesso a informação, volume de dados disponíveis incomparavelmente maior do que em décadas anteriores e a possibilidade de encontrar mais rapidamente respostas para perguntas mais complexas do que as que normalmente conseguiríamos responder consultando uma enciclopédia impressa.

Consideremos, por exemplo, o desafio que o filósofo americano Michael P. Lynch propôs a si mesmo, relatado em seu livro “The internet of things” (2016, sem edição brasileira): procurar, “à moda antiga”, ou seja, sem internet, a resposta para quatro perguntas. Lynch queria saber (1) qual é a capital da Bulgária? (2) um motor de popa de quatro tempos é mais eficiente do que um de dois tempos? Qual é o número de telefone de meu representante no congresso americano? e (4) qual é o restaurante melhor avaliado em Austin, Texas, nesta semana? Sem nenhuma surpresa, a questão mais fácil de ser encontrada foi a primeira. As demais, sem a internet, fizeram com que Lynch conversasse com mecânicos e recorresse a uma lista telefônica impressa (um artigo raro nos dias atuais). A quarta pergunta ficou sem resposta.

Não é necessário tomar uma iniciativa semelhante à de Lynch para saber que o acesso à informação é muito mais fácil e rápido hoje do que em qualquer outra época da história humana. Mas isso também potencializa alguns problemas. Quem fosse a uma biblioteca nos anos 1990 (ou antes), em busca de detalhes sobre a Apollo 11 e a chegada dos primeiros seres humanos à Lua, por exemplo, dificilmente se depararia com alegações como a de que o pouso na Lua foi encenado em um estúdio em um deserto americano, ou coisa parecida. Sim, esse tipo de proposição já era algo um tanto difundido a partir dos anos 1970, mas permanecia fora dos mecanismos de busca “tradicionais” para pesquisas escolares. Hoje o cenário é diferente. Fui ao Google há pouco e digitei “pouso na Lua”: a primeira sugestão dada foi que eu completasse a pesquisa com “farsa”.

Certamente, ter pontos de vista distintos sobre uma determinada questão é algo salutar, um aspecto importante nos processos de decisão sobre o que acreditar ou que decisão tomar. Mas prestar atenção a pontos de vista diferentes não é a mesma coisa que cair de cabeça em teorias conspiratórias ou dar peso a notícias claramente falsas como se fossem verdadeiras. Tampouco significa considerar qualquer ideia estapafúrdia (“a Terra é plana”) como digna do mesmo crédito de alegações bem estabelecidas em uma determinada área do conhecimento.

Os mecanismos de busca na internet e as redes sociais, no entanto, muitas vezes colocam em pé de igualdade, aos olhos de seus usuários, o ponto de vista dos especialistas da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica com a de um professor de química que diz ter encontrado a cura do câncer. Como, então, separar o joio do trigo? Como saber quais notícias, links ou alegações são mais plausíveis e merecem a nossa confiança? Embora essas questões sejam difíceis de responder, e apesar de não haver uma solução mágica que funcione para todos os casos, existem maneiras mais eficientes de estimar a confiabilidade daquilo que lemos, ou ouvimos e vemos na internet.

Uma dessas maneiras é aplicar a chamada “lista CARS”, um acrônimo inglês para Credibilidade do autor, Acurácia, Razoabilidade e Suporte. Ao se deparar com uma notícia compartilhada em uma rede social, verifique quem é o autor do texto, se há evidências de que o autor de fato entende daquilo que está falando, se o seu histórico é conhecido, e se ele tem interesses velados no assunto (algo muito comum nas postagens relacionadas a política que circulam no Facebook).

Ao pensar sobre a notícia em si, verifique o quão acurada ela é, ou seja, se está “bem contada”, se as informações contidas são detalhadas o suficiente, se ela é datada (muitas notícias antigas circulam como se fossem novidades), se está atualizada, e se existem dados relevantes que foram omitidos. É comum, infelizmente, encontrarmos links para páginas que negam a relação do vírus HIV com a AIDS, uma ligação que foi muito bem estabelecida por virologistas há três décadas. O que esses negacionistas omitem é a esmagadora concordância entre especialistas de que há relação entre o HIV e a AIDS, e é a partir desta relação que tratamentos muito bem-sucedidos de controle da doença têm sido elaborados.

O terceiro item da lista CARS diz respeito à razoabilidade da informação. Para que se possa apreciar esse detalhe, podem ser feitas perguntas como “a informação está expressa claramente, em linguagem ‘neutra’?”, “esta é uma alegação provavelmente verdadeira?”, “os argumentos apresentados são coerentes?”, e “isso faz sentido?”. Aqui, cabe uma ressalva: quem acredita que os humanos nunca pisaram na Lua certamente vai ver sentido e considerar razoáveis afirmações que sejam derivadas dessa crença, como a de que Stanley Kubrick foi o responsável pelas filmagens aqui na Terra. Portanto, além de avaliar a razoabilidade daquilo que se lê, é importante que todos nós façamos um esforço verdadeiro para constantemente avaliar a razoabilidade da nossa própria rede de crenças para refinar o modo com que pensamos, e as coisas nas quais acreditamos.

Por último, vale a pena investir algum tempo para verificar o quão bem a informação que recebemos pela internet é amparada por boas evidências. Aqui, é importante nos perguntarmos “a evidência apresentada é boa?”, “é possível encontrar fontes independentes que afirmem a mesma coisa?”, “outros especialistas concordam com o que está escrito aqui?”, “a notícia traz todos os lados relevantes da questão?”.

É importante destacar que não existe um caminho exato e fácil para encontrarmos informações confiáveis da internet. Avaliar a plausibilidade daquilo que nos chega, e das coisas que queremos compartilhar, é uma tarefa delicada, mas que precisamos fazer. Nos anos 1980, o filósofo americano Harry Frankfurt afirmou que havia muita “bobagem” disseminada em nossa sociedade, e que cada um de nós era responsável por isso. Três décadas depois, há ainda mais “bobagem” circulando, mas há algo que podemos fazer: podemos ser mais responsáveis sobre as coisas que pensamos e, especialmente, sobre as coisas que compartilhamos em nossas redes sociais, diminuindo a nossa parcela de culpa na enxurrada de falsidades que avança no mundo online.