Por: Odete Jochims
Linha Passa Sete,famílias relatam necessidade de reconstruir suas vidas em outros locais
Embora as águas da enchente tenham se retraído, a dor e o sofrimento do povo gaúcho permanecem muito vivos, principalmente nas áreas rurais, onde a recuperação é lenta e árdua. Ainda que falar sobre as perdas ocorridas durante a catástrofe possa ser considerado repetitivo, muitas famílias ainda lutam para dimensionar o tamanho de suas perdas e recomeçar suas vidas. Por isso é importante continuar mostrando esta dura realidade, para que assim a comunidade continue mobilizada no auxílio aos afetados.
Nas últimas semanas a Folha se fez presente em diversas localidades e conversou com alguns dos que foram diretamente afetados pela enchente. Na localidade de Linha Passa Sete, situada junto à ERS-400 e as margens do Rio Pardo, dezenas de famílias tiveram suas propriedades devastadas e enfrentam um dilema para recomeçar: “Vale a pena reconstruir a vida em uma área sujeita à uma nova tragédia? ”.
Percorrendo o local, na via de acesso à antiga Cooperativa Passa Sete, a Folha conversou com o Flavio Saldanha Ruoso, professor da rede estadual, e com o casal de agricultores Osmar e Odélia Emmel, que relataram um pouco da situação de quem reside no local.
Conforme Osmar, de 74 anos, e Odélia, de 70, que estão residindo provisoriamente junto ao filho, o trauma será difícil de superar. O casal relata que precisou deixar sua residência somente com a roupa do corpo e alguns documentos. “Na grande enchente de 2010, que era nossa referência, entrou um palmo de água na casa. Por isso, não acreditávamos que precisaríamos deixar o local. Quando nos demos conta, foi quase tarde demais. Saímos com a água no joelho e quando atravessamos em direção ao asfalto, já havia passado da cintura. Se tivéssemos ficado, iriamos nos afogar”, relatou Osmar.
Quando a água baixou e o casal retornou, cerca de 30 cm de terra haviam cobrido tudo que havia na residência, inclusive o carro que estava na garagem e havia ficado completamente submerso. “Conseguimos salvar uma mesa, o fogão, a máquina de cortar grama e alguns outros utensílios. O restante está enterrado em algum lugar por aqui”, apontou o agricultor. “É uma cena de guerra. Observando o rio e vendo como ele ficou, não existe possibilidade de continuarmos morando nessa casa”, lamentou.
O casal foi uma das famílias que buscou o Programa Minha Casa Minha Vida Rural, que irá beneficiar as famílias atingidas pelas enchentes no estado. “Vamos esperar que este programa se concretize, sabemos que pode demorar, pois são muitos atingidos. Mas precisamos ter fé que tudo vai dar certo. Por hora vamos continuar trabalhando para reconstruir nossas vidas da melhor maneira possível”, relatou Odelia.
Para Flavio Saldanha Ruoso, que morava no local com sua esposa e a filha, o medo de uma nova crise climática também está pesando para que a família deixe de residir na propriedade permanentemente. A casa do professor foi parcialmente destruída e toda a mobília que havia nela se perdeu nas águas. “Estou cavando e limpando em busca de recuperar alguns utensílios e pertences. Já recuperei algumas peças de louça, panelas e itens pessoais. Mas o restante está perdido”, afirmou.
Para além da destruição gerada pela enchente, Flavio também chamou a atenção para algo pouco falado no município, os furtos. Assim como tem acontecido em maior grau nas metrópoles atingidas, algumas pessoas estão percorrendo as áreas afetadas para recolher eletrodomésticos, utensílios e quaisquer itens que possam ser recuperados. “Os vizinhos relataram que muitos veículos entraram e saiam dos locais, quando a água baixou, na última semana alguém veio aqui e tentou furtar o meu portão. É muito triste ver que tem pessoas tentando levar o pouco que resta para quem perdeu quase tudo na enchente”, contou.
Conforme Flávio, que está residindo provisoriamente em uma residência de terceiros, a ideia é mudar-se para a área urbana por um tempo. E, posteriormente, construir uma moradia em outra propriedade que possui em outra área da região. “Já fui atingido em 2010, mas dessa vez o trauma foi muito maior. Agora, vendo a maneira que o leito do rio foi destruído, não consigo pensar em reconstruir no mesmo lugar e acabar perdendo novamente as coisas que adquirimos com tanto trabalho”, concluiu.